Liberdade de expressão ocasiona polêmicas em universidades dos EUA

DA ASSOCIATED PRESS

Em choques ocorridos em campi da Califórnia ao Vermont, muitos defensores da Primeira Emenda da Constituição dos EUA dizem estar vendo sinais de que a liberdade de expressão, antes um dos valores fundamentais do mundo acadêmico, está perdendo espaço como prioridade nas faculdades do país.

Protestos vêm obstruindo palestras e discursos de figuras controversas, incluindo um evento com Ann Coulter no mês passado na Universidade da Califórnia em Berkeley, e há receios de que os estudantes tenham passado a enxergar a liberdade de expressão não tanto como uma medida de proteção de todas as vozes que deve ser respeitada a todo custo, mas mais como arma política usada contra eles por provocadores.

"Acho que os membros de minorias e pessoas que se sentem marginalizadas estão especialmente céticas em relação à livre expressão hoje em dia", comentou Jeffrey Herbst, líder do Newseum, organização de Washington que defende a Primeira Emenda. "Mas os poderosos dispõem de inúmeras maneiras de transmitir sua mensagem. São aqueles que se sentem sem poder ou marginalizados que realmente se beneficiam dos direitos consagrados."

Na quarta-feira (10), estudantes da universidade historicamente negra Bethune-Cookman, na Flórida, tentaram abafar com vaias um discurso de formatura da secretária de Educação, Betsy DeVos, que falou durante o discurso: "Vamos ouvir os argumentos uns dos outros". Estudantes atuais e anteriores da universidade haviam enviado um abaixo-assinado à instituição, dizendo que DeVos não compreende a importância das escolas historicamente negras.

Enquanto alguns enxergam a disputa como uma batalha política entre manifestantes de esquerda e oradores conservadores da direita, os defensores da Primeira Emenda avisam que a linha que demarca o discurso aceitável pode se deslocar se mais estudantes universitários adotarem uma postura que não seja de defesa absoluta da livre expressão.

Quando a Universidade da Califórnia em Berkeley cancelou o discurso de 27 de abril de Coulter devido a ameaças de violência, foi apenas a instância mais recente de um orador com posições controversas sendo impedido de falar. Desde o início de 2016, quase 30 discursos em campi foram obstruídos ou impedidos em meio a polêmicas, segundo a Fundação para os Direitos Individuais na Educação.

Em muitos casos os oradores foram hostilizados por suas posições sobre raça e identidade sexual.

No Middlebury College, no Vermont, o escritor Charles Murray foi impedido de falar por vaias de estudantes que o acusaram de defender posições racistas. Um evento com Milo Yiannopoulos em Berkeley foi cancelado em meio a protestos violentos contra as posições dele em relação a raça e transgêneros.

No último ano, outros discursos e palestras foram obstruídos ou cancelados por protestos de estudantes na University de Wisconsin, UC Davis, Brown, Universidade de Nova York e DePaul, entre outras instituições.

Para Jeffrey Herbst, que foi reitor da Univerdade Colgate, uma escola de artes liberais em Hamilton, Nova York, os estudantes de hoje desenvolveram uma visão da livre expressão que não protege discursos vistos como sendo ofensivos a membros de minorias ou outras pessoas vistas como marginalizadas.

Herbst vê isso como uma divisão geracional, ideia que é substanciada por algumas pesquisas. Uma pesquisa de 2015 do Centro de Pesquisas Pew, por exemplo, constatou que 40% das pessoas de 18 a 34 anos são a favor da censura governamental de declarações que ofendem minorias. Apenas 24% das pessoas de 51 a 69 anos concordam com essa posição.

Crédito: Jeremy Papasso/Daily Camera/AP Milo Yiannopoulos, editor do site ultraconservador Breitbart News
Milo Yiannopoulos, ex-editor do site conservador Breitbart News, teve evento em Berkeley cancelado

A organização literária PEN America já alertou que a livre expressão está sendo posta em risco nas universidades.

Enquanto estudantes e administradores se esforçam para tornar os campi mais acolhedores para grupos diversos, alguns silenciaram injustificadamente os discursos que provocam incômodo em alguns estudantes, disse Suzanne Nossel, diretora da PEN America.

"A universidade tem dois imperativos. Ela precisa ser um espaço acolhedor e aberto a estudantes de todas as origens, ciente das barreiras que constrangem os estudantes de grupos marginalizados", ela disse. "Mas isso não pode e não deve ser feito às expensas de ela ser um espaço aberto para a livre expressão."

Os fatos ocorridos em Berkeley e Middlebury atraíram o escárnio de observadores de todo o espectro político, incluindo alguns fundadores do movimento pela liberdade de expressão nascido em Berkeley na década de 1960. Jack Weinberg, que foi preso no campus em 1964 por violar normas universitárias sobre ativismo e desencadeou uma onda de protestos pela modificação das normas, disse que considera "essa coisa toda desprezível".

"Quando você suprime ideias, também aumenta o interesse das pessoas por essas ideias", ele explicou. "É compreensível que as pessoas queiram impedir a difusão de certas ideias, mas isso não funciona."

Mesmo assim, alguns estudantes não veem problema em obstruir oradores provocantes. Alguns dizem que estão simplesmente evocando seus próprios direitos consagrados na Primeira Emenda, enquanto outros afirmam estar apelando para princípios mais elevados que têm prioridade sobre a liberdade de expressão.

"Se o objetivo da pessoa é vir para o campus da universidade e colocar comunidades em risco, se o objetivo dela é despejar um discurso racista odioso, nós não queremos isso", explicou Richard Alvarado, estudante em Berkeley que participou de protestos contra os dois discursos recentes. "Nós, como comunidade, temos a obrigação moral de responsabilizar você por isso."

Alguns consideram que as universidades deveriam adotar postura mais rígida contra estudantes que obstruem discursos. Parlamentares republicanos em Wisconsin estão propondo uma lei que obrigaria universidades estaduais a suspender ou expulsar alunos que interferem repetidas vezes com a liberdade de expressão de outros.

Uma legislação semelhante foi aprovada recentemente na Virgínia e no Colorado e está sendo estudada na Califórnia, Michigan e Carolina do Norte. Os projetos de lei seguem os moldes de uma proposta apresentada pelo Instituto Goldwater, um think tank conservador do Arizona.

Outros pedem que as universidades adotem políticas mais rígidas em apoio à liberdade de expressão e que as escolas primárias reforcem as aulas sobre a Primeira Emenda.

"Estamos vendo coisas acontecer de modo regular que teriam sido impensáveis alguns anos atrás", disse Floyd Abrams, advogado de Nova York que é destacado defensor da Primeira Emenda. "Só podemos esperar que os ânimos se acalmem e as pessoas acabem aceitando os benefícios de viver em uma sociedade onde mesmo o discurso ofensivo é plenamente protegido pela Primeira Emenda."

Tradução de CLARA ALLAIN

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