Arábia Saudita quer isolar o Qatar devido a tensões com o Irã

GLEN CAREY
ZAID SABAH
DA BLOOMBERG

A Arábia Saudita e três outros países árabes cortaram a maior parte de suas relações econômicas e diplomáticas com o Qatar, uma medida sem precedentes cujo objetivo é punir uma das superpotências financeiras da região por seus elos com o Irã e com grupos islâmicos na área.

O petróleo subiu e as ações do Qatar caíram depois que Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos (EAU) e Egito anunciaram que suspenderão as viagens aéreas e terrestres de e para o emirado do golfo Pérsico. A Arábia Saudita também fechará sua fronteira terrestre com o país vizinho, o que pode privar o Qatar de importações transportadas por sua única fronteira terrestre. O Qatar definiu as acusações como "infundadas" e disse que são parte de um plano para impor "tutela ao Estado, o que em si representa uma violação de soberania".

O Qatar é um dos países mais ricos do mundo e tem grande importância estratégica, por ser o maior produtor mundial de gás natural. O emirado tem população inferior à da cidade de Houston (2,2 milhões de habitantes) e conta com um fundo nacional de investimento com US$ 335 bilhões em ativos e investimento em companhias como os bancos Barclays e Credit Suisse. O Qatar também abriga o quartel-general regional do Centcom, o comando central das forças armadas dos Estados Unidos no Oriente Médio.

Estimulada pelo relacionamento mais estreito com os Estados Unidos sob o governo do presidente Donald Trump, a aliança liderada pelos sauditas busca eliminar toda oposição à formação de uma frente unida contra o Irã, governado por xiitas. Embora a escalada da pressão anunciada nesta segunda-feira (5) dificilmente deva prejudicar as exportações de energia do golfo Pérsico, ameaça ter efeitos severos sobre o Qatar.

"Haverá implicações para os cidadãos, para os viajantes, para os homens de negócios. E a medida, acima de tudo, coloca os riscos geopolíticos em perspectiva", disse Tarek Fadlallah, presidente-executivo da Nomura Asset Management Middle West em entrevista à Bloomberg Television. "Porque essa medida não tem precedentes, é muito difícil prever que efeitos ela terá".

O petróleo cru padrão Brent subiu em até 1,6%, para US$ 50,74 por barril, na bolsa ICE Futures Europe, de Londres, antes de reduzir seu avanço a 0,4%, no pregão matinal londrino. A tensão crescente entre a Arábia Saudita, maior exportadora mundial de petróleo cru, e o Irã costuma concentrar as atenções no Estreito de Ormuz, através do qual passam cerca de 30% das exportações mundiais de petróleo por via marítima, de acordo com o Departamento da Energia dos Estados Unidos.

O índice da bolsa de valores do Qatar, o QE, mostrava queda de 8%, seu maior recuo desde 2009, às 10h09min, em Doha. O índice da bolsa de Dubai caiu em 1,2%.

Os cinco países envolvidos na disputa são aliados dos Estados Unidos, e o Qatar tem US$ 35 bilhões investidos em ativos norte-americanos. A Autoridade de Investimento do Qatar, o fundo nacional de investimento do emirado, planeja abrir um escritório no Vale do Silício.

O secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, disse que é importante que os países do golfo Pérsico permaneçam unidos e encorajou as diversas partes envolvidas a conversar sobre suas diferenças. Falando em uma entrevista coletiva em Sydney, ele disse que a crise não prejudicaria a luta contra o terrorismo.

"O que estamos vendo é uma lista crescente de irritantes na região, que já existem há algum tempo", disse Tillerson. "Obviamente eles agora se intensificaram a ponto de os países consideraram que precisavam agir, a fim de solucionar essas diferenças".

A ação da segunda-feira representa uma escalada em uma crise iniciada pouco depois da visita de Trump à Arábia Saudita, no mês passado, durante a qual ele e o rei saudita Salman classificaram o Irã como o principal promotor de terrorismo no planeta.

Três dias depois da partida de Trump, a agência estatal de notícias do Qatar divulgou declarações do xeque Tamin bin Hamad Al Thani, o soberano do emirado, nas quais ele criticava a hostilidade crescente contra o Irã. O texto foi rapidamente removido pelas autoridades, que atribuíram a responsabilidade pela notícia a hackers e pediram calma.

Veículos de mídia sauditas e dos EAU agrediram verbalmente o Qatar, e os ataques se intensificaram depois que o xeque Tamin conversou ao telefone com o presidente iraniano Hassan Rowhani, no final de semana, em desafio aparente às críticas sauditas.

"O Qatar está bem no meio dos países do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), e tenta seguir uma política externa independente", disse Peter Sluglett, diretor do Instituto para o Oriente Médio na Universidade Nacional de Cingapura. "A ideia deles é subjugar o Qatar".

Já houve desacordos entre os seis membros do GCC no passado, e as tensões com o Qatar remontam à metade dos anos 90, quando a rede de TV Al Jazeera foi criada em Doha, e passou a fornecer uma plataforma para que dissidentes árabes criticassem os governos autocráticos da região, exceto o do Qatar.

O país do golfo Pérsico também desempenhou papel chave no apoio aos movimentos contra governos estabelecidos, na Primavera Árabe, contrariando os interesses da Arábia Saudita e dos EAU ao bancar o governo da Irmandade Muçulmana no Egito. O Qatar também concedeu asilo a membros da liderança exilada do Hamas, e mantém um relacionamento com o Irã.

Em 2014, Arábia Saudita, EAU e Bahrein retiraram temporariamente seus embaixadores do Qatar. A disputa tinha por motivo o Egito, depois do golpe liderado pelo exército que derrubou o presidente Mohamed Mursi, líder da Irmandade Muçulmana.

Desta vez, a Arábia Saudita citou o apoio do Qatar a "grupos terroristas que buscam desestabilizar a região", entre os quais a Irmandade Muçulmana, o Estado Islâmico e a Al Qaeda. Os sauditas acusaram o Qatar de apoiar "grupos terroristas ligados ao Irã" que operam na província leste do reino e também no Bahrein.

A Arábia Saudita, acompanhada por Bahrein e pelos EAU, deu prazo de 48 horas para que os diplomatas qatarianos deixem o país.

A crise surge pouco depois que a agência de classificação de crédito Moody's Investors Service rebaixou em um grau a classificação de crédito qatariana, para Aa3, o quarto grau na escala de investimento, mencionando incertezas quanto ao modelo de crescimento econômico do emirado.

"O Qatar é econômica e socialmente vulnerável a problemas nas importações de comida e outros produtos que não os de energia", disse Paul Sullivan, especialista em questões do Oriente Médio na Universidade de Georgetown. "Se houver um bloqueio real, isso poderia ser um grande problema para eles. Regras que impeçam cidadãos dos EAU, Arábia Saudita e Bahrein de transitar pelo território qatariano podem causar incômodos significativos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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