Descrição de chapéu BBC News Brasil

O desconhecido grupo extremista considerado o mais perigoso do Reino Unido

RICHARD WATSON
BBC NEWSNIGHT

Um dos três autores do ataque de 3 de junho em Londres –em que oito pessoas morreram esfaqueadas e 48 ficaram feridas nos arredores da London Bridge– era seguidor do grupo islâmico Al-Muhajiroun, banido do Reino Unido em 2010.

O repórter Richard Watson, do programa Newsnight da BBC, acompanha o grupo ao menos desde 2004 e agora investiga a questão: as forças de segurança do Reino Unido levaram o Al-Muhajiroun suficientemente a sério?

Leia abaixo o seu relato:

O homem de túnica branca pega o microfone na frente do salão e se dirige à plateia de simpatizantes do Al-Muhajiroun. Mesmo com câmeras de vídeo à volta, ele não se intimida.

"Quando Tony Blair saiu [em defesa da guerra], George Bush saiu junto e disse: 'Você está conosco ou está com os terroristas?' O que nós muçulmanos dissemos?"

Ele faz uma pausa para efeito. "Nós não estamos com você, estamos com os... terroristas". A plateia termina a frase por ele, e gritos de Allahu Akbar [Deus é grande] ecoam pela sala.

Isso foi em abril de 2004, quando fui convidado a filmar em uma reunião do Al-Muhajiroun no salão de um centro comunitário em Bethnal Green, no leste de Londres.

Eu estava acompanhando um convertido para o Islã chamado Sulayman Keeler –cujo nome de batismo é Simon Keeler– para uma reportagem do programa Newsnight, da BBC.

Avançando até o ataque terrorista na London Bridge em 2017, é possível dizer que há forte vínculo com o Al-Muhajiroun. O líder do ataque, Khuram Butt, era simpatizante da rede e até apareceu em um documentário do Channel 4, no ano passado, chamado The Jihadis Next Door.

Butt nunca escondeu suas opiniões extremistas, e isso levanta uma grande questão para o governo britânico: a ameaça representada por radicais ligados ao Al-Muhajiroun foi subestimada por anos?

Um ex-assessor sênior do governo, responsável por reportar ameaças terroristas, acha que sim. Richard Kemp era presidente do grupo Cobra (comitê que assessora o governo em questões de segurança nacional) à época dos atentados de 2005 em Londres,

"Nós fomos muito tolerantes com o Al-Muhajiroun", diz Kemp, para quem não houve apuração necessária sobre o uso de linguagem ofensiva e ameaças da rede.

"Foi um grande fracasso e temos visto as consequências. Já vimos Lee Rigby [soldado assassinado em Londres em 2013] por um seguidor do Al-Muhajiroun, vimos numerosos ataques em todo o mundo."

Kemp, que também é ex-comandante das forças armadas britânicas no Afeganistão, diz que houve complacência em relação ao Al-Muhajiroun, tanto na comunidade de inteligência quanto em sucessivos governos. "Houve uma verdadeira falha política e entre os serviços policiais e de inteligência para entender a forma como essa situação se desenvolveria."

Kemp identifica períodos de "inatividade" por parte das autoridades antes do 11 de Setembro –mas também depois– que foram extremamente perigosos.

"As redes e os indivíduos envolvidos nelas viram que éramos fracos. Viram que queríamos apaziguá-los, que deixaríamos que continuassem [suas atividades] e eles exploraram isso –em termos de desenvolvimento e de construção de um grupo."

"Havia um elemento de complacência entre as pessoas que estavam monitorando suas atividades. Certamente, eu ouvi palavras como 'falastrão' ou 'bravatas' sendo usadas [pelos serviços de inteligência] para se referir a alguns casos... de que eram pessoas que falavam em guerra, mas que não necessariamente lutavam e que não representavam uma grande ameaça para o Reino Unido."

Crédito: Justin Tallis/AFP Britain's Prime Minister and leader of the Conservative Party Theresa May delivers a statement outside 10 Downing Street in central London on June 9, 2017 as results from a snap general election show the Conservatives have lost their majority. British Prime Minister Theresa May faced pressure to resign on June 9 after losing her parliamentary majority, plunging the country into uncertainty as Brexit talks loom. / AFP PHOTO / Justin TALLIS
A primeira-ministra britânica, Theresa May, durante entrevista em Londres

Peter Clarke, ex-chefe de antiterrorismo da polícia de Londres, não concorda com essa análise.

"É fácil dizer olhando para trás que algo deveria ter sido feito mais cedo em relação à ameaça islâmica. Isso é muito simplista. O acordo de Belfast [ou Acordo da Sexta-feira Santa, que selou a paz na Irlanda do Norte] pode ter sido assinado em 1998, mas os republicanos dissidentes do IRA estavam atacando alvos no Reino Unido, incluindo a BBC, até 2001. Naquela época, os grupos islâmicos estavam envolvidos em crimes leves para levantar fundos e enviar dinheiro às organizações políticas em seus países de origem."

Em 2004, ficou claro que a ameaça aumentou. Uma mensagem eletrônica interceptada, sobre o aperfeiçoamento de produtos usados para fabricar uma bomba de fertilizante, levou a uma grande investigação antiterrorista da polícia e do MI5 –a Operação Crevice. Meses depois, veio outra grande investigação, a Operação Rhyme, que desvendou uma segunda trama de ataque a bomba no Reino Unido.

Esses casos foram investigados rapidamente, diz Clarke. "Ambas [as mensagens] foram interceptadas como resultado de uma investigação intensiva do MI5 e da polícia, e precederam os ataques de 7 de julho. Portanto, não é correto dizer que a ameaça islâmica foi ignorada."

"As prioridades foram escolhidas de acordo com a ameaça representada por vários grupos. Após o 11 de Setembro, os grupos terroristas irlandeses recuaram suas atividades, permitindo uma mudança de foco para se os militantes islâmicos constituíam uma ameaça."

Os homens que planejaram os ataques com bombas de fertilizantes e, no ano seguinte, os responsáveis pelos atentados de 7/7 em linhas de metrô e ônibus de Londres que deixaram 52 mortos, todos eles tiveram ligações com o Al-Muhajiroun.

Em 2004, estava claro que a rede tinha sido uma espécie de porta de entrada para o terror.

Al-Muhajiroun e seus líderes sempre fizeram um jogo de gato e rato com o governo. Bakri Muhammad fechou o grupo em 2004 porque achou que estava prestes a ser banido.

Mas a rede lançou uma série de grupos menores que, de fato, eram nomes diferentes para a mesma rede.

Al-Ghurabaa e o Saviour Sect surgiram em 2005 - e foram banidos em 2006. Outros grupos criados pela mesma rede incluíam Muslims Against Crusades (Muçulmanos contra Cruzadas), Islam4UK (Islã para o Reino Unido), Shariah4UK (Sharia para o Reino Unido), Call to Submission (Chamada à Submissão), Islamic Path (Caminho Islâmico), the London School of Sharia e Need4Khilafah.

Todos eles foram banidos pelo governo depois. E todos podem ser considerados como parte da rede Al-Muhajiroun. Todos queriam ver a lei islâmica da sharia introduzida no Reino Unido à força, não acreditam na democracia e têm opiniões hostis sobre muçulmanos xiitas e outras minorias que se dizem fiéis aos ensinamentos do Alcorão.

Então, por que não foi feito mais? Estamos falando de extremismo ideológico, praticado por líderes do Al-Muhajiroun como Anjem Choudary (ativista islâmico conhecido na Grã-Bretanha pelo apoio explícito ao Estado Islâmico), que sempre tiveram o cuidado de ficar no lado certo da lei para que não pudessem ser presos.

"Ninguém sabia que a posição ideológica do Al-Muhajiroun levaria inevitavelmente à violência no país", diz Clarke.

"Uma vez que a ameaça dos republicanos dissidentes [irlandeses] recuou, o foco na ameaça islâmica cresceu muito rapidamente. Também é justo dizer que até então ninguém havia identificado uma ameaça terrorista enraizada em ideologia e não em objetivos políticos, que não conhecia fronteiras e para cujos adeptos a captura ou a morte não eram um risco, mas uma aspiração."

O Estado britânico tomou medidas. Bakri Muhammad foi impedido de voltar a entrar no Reino Unido após os atentados de 7/7 em Londres, e voltou para o Líbano –onde cumpre pena por crimes de terrorismo. Mas sua rede continuou sob diferentes nomes.

Adeptos da rede foram associados a planos de ataques terroristas em todo o mundo. Alguns foram presos no Reino Unido.

Os cinco fabricantes de bombas de fertilizantes - Omar Khyam, Jawad Akbar, Waheed Mahmood, Anthony Garcia e Salahuddin Amin - e outros seguidores, como Sulayman Keeler e Abu Izzadeen, foram condenados por delitos ligados a terrorismo. Anjem Choudary foi finalmente condenado - a cinco anos de prisão - pelo apoio ao Estado Islâmico.

Esses são os ataques ligados à Al-Muhajiroun:

- 2003: Ataque suicida com bomba no bar Mike's Place em Israel

- 2004: Operação Rhyme desmantela ataque com bombas de fertizantes no Reino Unido

- 2005: Atentados de 7/7 em Londres

- 2013: Assassinato de Lee Rigby em Londres

- 2014: Ataque suicida no Iraque por Waheed Majid

- 2017: Ataques na região da London Bridge

A conexão entre o recente ataque terrorista na London Bridge e o Al-Muhajiroun provavelmente terá destaque na investigação em curso.

Após o atentado em London Bridge, a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, disse que "agora chega" ressaltando que haveria um endurecimento por parte do governo para impedir novos atentados.

Mas, com base no fracasso de sucessivos governos para conter a radicalização, Richard Kemp continua preocupado. "Não tenho certeza de que (para tal) exista coragem ou vontade política."

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