Desigualdade persiste no Chile, e eleitor se frustra com a esquerda

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A SANTIAGO

"De que me adianta dizerem que o Chile não vai virar a Venezuela? É retórica de político que vem, fala antes da eleição e não volta mais. Meu salário não chega ao fim do mês e não vou ter uma boa aposentadoria", diz à Folha o comerciante Yaro Sánchez, 62, da comuna de Puente Alto, na periferia de Santiago.

O diagnóstico apresentado pelo vendedor, enquanto embrulhava cafés da manhã para os que tomavam o ônibus para ir trabalhar no centro da capital chilena numa fria manhã de sexta-feira, ajuda a resumir a situação do país nesse período pré-eleitoral –o Chile escolhe um novo presidente em novembro.

"Tenho dois filhos com idade para entrar na universidade, mas não posso pagar seus estudos, imagine minha frustração, justo eu que dei aulas a vida toda", conta a professora de escola primária Mercedes Acosta, 58, ao sair de um centro de votação na primária do último dia 2.

A nove meses de terminar o mandato, a presidente de centro-esquerda Michelle Bachelet, 65, teve momentos de baixa avaliação, chegando aos 18% no auge dos escândalos de corrupção envolvendo membros de sua família. Hoje seu índice é de 31%.

Os dados macroeconômicos do país não são ruins: o PIB deve crescer pouco menos de 2%, ficando na média regional nesse momento de desaceleração mundial; o desemprego flutua em torno de 6% e a inflação anual está estável em 2,6%, uma das mais baixas da região.

Dentro de um eleitorado de quase 14 milhões, 1,3 milhão pode não parecer muito, e é cedo para fazer previsões para a eleição de novembro.

Porém foi significativo até para os próprios pré-candidatos da coalizão, que previam cerca de 800 mil votos para sua proposta. No Chile, o voto não é obrigatório.

A expressiva presença dos eleitores nos postos de votação dispostos a dar impulso à oposição marcou o êxito de um discurso populista de direita que se viu presente nas campanhas dos dois principais candidatos.

Tanto o ex-presidente Sebastián Piñera, vencedor, como o segundo colocado da aliança, Manuel José Ossandón, usaram os mesmos recursos: falaram de sua preocupação com a classe média, com a recuperação dos empregos, com a retomada do crescimento "como era antes" (referindo-se ao "boom" do cobre, produto básico chileno mais exportável) e do combate ao narcotráfico e à "delinquência".

Isso é novidade para Piñera, que antes colocava mais ênfase na questão do livre comércio. Já Ossandón, figura carismática e que usa linguajar popular e direto, voltou o discurso para dificuldades do dia a dia dos trabalhadores e venceu Piñera nas regiões mais carentes de Santiago.

Desde os resultados, Piñera se mostrou interessado em abocanhar esse eleitorado conquistado pela retórica de Ossandón e se apropriou de algumas de suas bandeiras. Nos bastidores, agora, ambos negociam um acordo.

Disputada em 19 de novembro, a eleição presidencial já tem os candidatos definidos. À frente, estão Piñera, em primeiro lugar, com 25%, seguido de perto pelo centro-esquerdista Alejandro Guillier, que não disputou primária e será o candidato governista, com 21%.

Correndo por fora, mas já crescendo nas pesquisas de intenção de voto, aparece a esquerdista Beatriz Sánchez, da Frente Ampla, com 15% das preferência.

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