Otimismo do Nobel da Paz chinês Liu Xiaobo foi inabalável

XIAORONG LI
PARA O "NEW YORK TIMES"

A última vez que falei com Liu Xiaobo foi da minha casa, em Maryland, nos Estados Unidos, um dia antes de a polícia o prender em Pequim, em dezembro de 2008.

Ele queria discutir o uso de algumas palavras na versão final da Carta 08, um manifesto pela reforma constitucional. E se mostrou orgulhoso por ter conseguido mais uma assinatura, a de um reformista que fora expulso do governo por aparecer às 5h em um parque da capital onde o velho praticava tai chi.

Eu temia pelos riscos que ele e os amigos corriam e sugeri adiar a divulgação. "Por que a preocupação? O pior que pode acontecer é eu voltar para a prisão. Mas vale a pena: são quase 20 anos desde o massacre na praça da Paz Celestial e, até agora, não houve justiça. Farei o que for preciso", disse calmamente.

A declaração pedia respeito aos "valores universais básicos", incluindo liberdade, direitos humanos, igualdade, democracia e a norma constitucional. Mais de 300 ativistas, advogados e intelectuais chineses tinham confirmado assinatura, algumas das quais Liu Xiaobo, incansável, conseguira por e-mail, Skype ou em jantares cerimoniais.

Os organizadores planejavam lançá-la em breve, já que algumas datas importantes se aproximavam, como o 20º aniversário do massacre na praça da Paz Celestial e os 60 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos.

Fui apresentada a Liu Xiaobo, em 2004, na internet, por um amigo comum. Com alguns outros, fundamos uma pequena organização pró-direitos humanos em 2005. Por conta do trabalho, fomos bem próximos durante vários anos, principalmente 2008, quando a Carta 08 passou por várias modificações em um círculo de aproximadamente cem pessoas.

No dia 9 de dezembro de 2008, por volta das 2h, percebi que havia algo errado. A gente podia contar que Liu estaria on-line para um bate-papo animado logo cedinho, divertindo os amigos com suas piadas autodepreciativas; entretanto, nesse dia, as cores que indicavam sua disponibilidade ficavam mudando o tempo todo na minha tela. "Tudo bem por aí? Seu Skype está esquisito", escrevi. Na mesma hora, desconectou, abruptamente. Depois eu soube que, naquele momento, a polícia estava fuçando em seu computador.

As autoridades de Pequim prenderam Liu e seu amigo, Zhang Zuhua, ex-oficial que se tornou dissidente e era um dos organizadores do manifesto. Em dois dias, o documento foi divulgado. Logo depois, centenas de pessoas que o assinaram foram detidas e interrogadas, tiveram suas casas reviradas por batidas arbitrárias e objetos pessoais confiscados.

Liu foi condenado a 11 anos de cadeia em dezembro de 2009 por "incitar a subversão do poder do Estado". Já tinha sido preso várias vezes desde 1989, quando perdeu a liberdade por apoiar os protestos na praça da Paz Celestial. Em maio deste ano, descobriu que tinha um câncer hepático terminal e foi hospitalizado. Em retrospectiva, sua condenação não foi nada mais do que uma sentença de morte.

Os tiranos podem até celebrar a morte de Liu, na última quinta (13), como sinal de força e vitória garantida, mas seus esforços de apagar seus ideais da mente do público não deram muito certo.

Muitos chineses nunca devem ter ouvido falar de Liu por causa do controle governamental rígido sobre a imprensa, mas de acordo com vários relatos, mais de 34 mil pessoas, a maioria na China, assinaram recentemente uma carta aberta exigindo a liberdade do ativista e seu direito de receber cuidados médicos de quem quisesse.

E embora a China tenha se tornado mais repressiva nos últimos anos, sob o presidente Xi Jinping, a visão de Liu —de "transcender o medo" com amor e lutar pela liberdade "com otimismo"— continua a inspirar novas gerações de ativistas pró-democracia e direitos humanos.

Há um número muito maior de chineses hoje, em comparação a 1989 ou 2008, realizando protestos pelos direitos humanos –pequenos, sim, mas significativos.

Conheço muitos universitários que trabalham em ONGs de defesa aos direitos dos deficientes, da comunidade LGBTQ e das vítimas de violência sexual.

Liu Xiaobo nunca teve a ilusão de que ações pacíficas causariam reações sensatas e tranquilas. Advogados chineses que usaram os tribunais para desafiar o Judiciário controlado pelo Estado também foram detidos e torturados.

Mas Liu não permitiu que a repressão desanuviasse seu otimismo inabalável. Sua crença firme de que a liberdade "é a fonte de humanidade e a mãe da verdade" deve continuar a nos guiar.

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