Ampliação de sanções dos EUA à Rússia ameaça setor energético na UE

IGOR GIELOW
DE SÃO PAULO

São Paulo

A aprovação de um projeto pela Câmara dos EUA ampliando sanções contra a Rússia provocou um grande abalo político não só internamente e na relação com Moscou, mas também na Europa.

O motivo é o bolso. Como está, o texto aprovado, que ainda precisa voltar ao Senado e depois ser encaminhado ao presidente Donald Trump para sanção, abre caminho para a punição de gigantes energéticos europeus que têm projetos com os russos.

Crédito: Gleb Garanich - 21.mai.2014/Reuters Funcionário abre válvula de gás em Striy, na Ucrânia; sanções ameaçam novos gasodutos russos
Funcionário abre válvula de gás em Striy, na Ucrânia; sanções ameaçam novos gasodutos russos

"Se nossas preocupações não forem levadas em conta, vamos reagir", disse o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, após reunião do órgão executivo da UE (União Europeia) sobre o tema nesta quarta (26).

Até aqui, as sanções era restritas a setores e pessoas próximas do Kremlin, e foram implementadas em 2014 após a anexação da região de maioria russa da Crimeia após um golpe derrubar o governo pró-Moscou na Ucrânia.

Essas sanções, ao contrário de agora, foram definidas entre americanos e europeus. A França disse que o novo texto "parece ilegal".

No fim de 2016, houve retaliações dos EUA devido à acusação oficial de interferência russa na eleição americana, motivo que levou ao novo texto aprovado na terça (25), bem mais duro e que pune quem fizer negócios de energia com os russos.

Com isso, projetos como os gasodutos Nord Stream 1 e 2, que ligam a Rússia à Alemanha pelo mar, ficariam ameaçados em caso de novos investimentos —empresas alemãs, francesas e austríacas são sócias da gigante russa Gazprom. Ambos os negócios somam quase 25 bilhões de euros (R$ 92 bilhões).

Um oleoduto que liga campos cazaques a um terminal no Mar Negro, uma fábrica de gás liquefeito de petróleo e o gasoduto Blue Stream também são alvos prováveis.

A Rússia reagiu mal, não menos porque o setor de energia responde por 47% de suas exportações, 55% do total delas destinadas à UE, e 40% do orçamento depende de tributos da venda de petróleo.

"É desapontador", afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. O governo só vai decidir se haverá retaliação quando o projeto virar lei.

Na prática, tanto os russos quanto os europeus têm espaço reduzido de manobra. Tanto Rússia quanto UE podem ir à Organização Mundial do Comércio, onde disputas tendem a arrastar-se.

No caso europeu, mais grave pela proximidade econômica com os EUA, sanções retaliatórias necessitariam de votos de todos os 28 membros do bloco, isso está fora de cogitação: a Alemanha quer o Nord Stream para garantir seu suprimento de gás que hoje passa pela conflagrada Ucrânia, mas a Polônia e os Estados Bálticos não querem facilitar a vida dos russos.

Esse programa sintetiza a complexidade do imbróglio. A fase 2 permitirá, quando pronta, à Rússia exportar até 110 bilhões de m³ de gás natural ao ano, entrando pela Alemanha, que compra 40% do produto que usa de Moscou —que é o maior fornecedor do mercado europeu, com 34% dele em 2016.

Com isso, perderá força o corredor pela Ucrânia, que hoje pode transportar 150 bilhões de m³ anuais. E o Kremlin poderá pressionar os adversários com cortes de gás hoje inviáveis, além de operar com sócios com os quais não está em pé de guerra.

Além do gás, os russos dominam o fornecimento de petróleo e carvão para a UE.

Tudo isso ocorre com Trump sob fogo, já que o projeto foi aprovado no momento em que suas ligações com o Kremlin são investigadas.

O Congresso demonstrou que vai mantê-lo sob rédea curta no assunto, até porque foi incluída cláusula limitando o poder presidencial de rever sanções. Como a Câmara incluiu também a Coreia do Norte, além do Irã e da Rússia, no projeto, o tema deverá ser debatido no Senado.

Assim, a batata quente poderá chegar à mesa de Trump apenas após o recesso de agosto. Além do tempo, o lobby da poderosa indústria energética americana contará, já que se um parceiro europeu for punido, pode haver repercussões em negócios conjuntos. O estrago nas relações transatlânticas, contudo, já está feito.

Crédito: Editoria de Arte/Folhapress
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