Após votação da Constituinte, divisão política persiste nas ruas de Caracas

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

"É um contraste muito grande em relação ao dia seguinte do plebiscito [da oposição, contra a Constituinte ] de 16 de julho", disse Irina Peixoto, 47, ao sair de uma padaria do bairro de Chacao, pela manhã. "Naquela manhã, nós acordamos animados e vendo luz no fim do túnel. Hoje, é só desolação."

Desde que os protestos se acirraram na Venezuela, nos últimos cem dias, os moradores de localidades ditas antichavistas como esta se acostumaram com uma rotina. De manhã, saem para fazer compras, passear com o cachorro, e há crianças andando de bicicleta ou brincando.

Enquanto isso, os manifestantes em geral voltam às ruas para ajustar as barricadas, colocar mais arame, mais concreto, até móveis velhos e troncos que são usados nessas trincheiras improvisadas.

"Vocês precisam continuar, não deixem as ruas", pediu um homem vestindo roupas de ginástica a jovens encapuzados que levantavam uma barricada em Chuao.

Poucas horas depois, já não há mais crianças ou gente mais velha nas ruas. Motos de "coletivos", a polícia paraestatal chavista, passam para olhar a movimentação e arrancam em disparada.

"Depois deles, a gente já sabe, vêm 'os maus'", diz um dos rapazes de rosto coberto à Folha, referindo-se à Guarda Nacional Bolivariana.

Ao longo da tarde, houve repressão a manifestantes nas avenidas Francisco de Miranda e Rio de Janeiro.

Enquanto isso, no centro da cidade, de administração chavista, o clima era de normalidade, a maioria dos estabelecimentos comerciais estava aberta e muita gente caminhava pelas ruas.

Na Plaza Bolívar, viam-se os restos da festa que foi armada na noite anterior, com shows de música popular e "hits patrióticos", como "Chávez Corazón del Pueblo", em alusão ao presidente Hugo Chávez (1954-2013) e o hino da Constituinte, que soou durante a tarde toda nas TVs e meios estatais.

"Eu votei, sim, para que o presidente [Nicolás] Maduro tenha mais recursos para acabar com esses terroristas de direita, quero todos na cadeia", disse uma funcionária de um restaurante, sentada na praça em seu horário de almoço.

RESULTADOS

O resultado oficial da votação deste domingo (30) foi anunciado nos primeiros minutos desta segunda (31).

Segundo o CNE (Conselho Nacional Eleitoral), 41,5% do eleitorado de quase 20 milhões de venezuelanos —ou seja, pouco mais de 8 milhões de pessoas— compareceu para votar nos candidatos, todos eles alinhados ao governo, uma vez que a oposição não participou da eleição.

Para o prefeito de Caracas, o chavista Jorge Rodríguez, "o chavismo recuperou a tradição de suas votações históricas". "Foi uma grande vitória", disse ele em entrevista ao canal estatal de TV.

Desde cedo, os parlamentares opositores se reuniram na Assembleia Nacional para decidir os próximos passos a tomar. O líder Julio Borges disse que o número apresentado pelo governo era fictício e que o parlamento seguiria funcionando normalmente.

Já a procuradora-geral, Luisa Ortega Díaz, disse que a Constituinte tinha como intuito "acabar com esse ministério". Acrescentou ainda que o governo era o responsável pelo aumento da violência e pelas 121 mortes nos últimos quatro meses.

Já o chavista Diosdado Cabello afirmou, à TV estatal, que nenhuma das dez mortes ocorridas neste fim de semana (14 segundo a oposição) poderia ser vinculada à eleição.

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