Descrição de chapéu The New York Times

Emirados disputaram embaixada do Taleban com Qatar, revelam e-mails

DAVID D. KIRKPATRICK
DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES

Na rivalidade que há anos opõe os Emirados Árabes Unidos ao Qatar, os primeiros frequentemente acusaram o país vizinho de conluio com militantes islâmicos, citando como exemplo disso a abertura em 2013 de uma embaixada do grupo armado Taleban em Doha, a capital do Qatar.

Acaba de vir à tona que os Emirados Árabes Unidos tentaram convencer o Taleban a abrir uma embaixada em seu país, em lugar do Qatar. O embaixador árabe em Washington, Yousef al-Otaiba, chegou a receber um "telefonema irado" de um chanceler, na época, reclamando do fato de o grupo armado ter ido parar em Doha. A informação foi obtida de e-mails vazados da conta do embaixador.

Os e-mails são uma salva de tiros numa vendeta travada há dois meses entre os países do Golfo Pérsico, algo que vem dividindo os aliados de Washington nas lutas contra a milícia terrorista Estado Islâmico e contra o Irã.

Em junho os EAU, a Arábia Saudita, Bahrein e Egito cortaram relações comerciais e diplomáticas com o Qatar para castigar o país porque, segundo disseram, ele apoia o extremismo islâmico. O Qatar, que abriga a maior base aérea dos Estados Unidos na região, acusou a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos de criarem um pretexto para intimidá-lo.

Qatar e Emirados Árabes Unidos são rivais intensos há anos, apesar de nominalmente serem aliados, além de ambos serem parceiros militares cruciais de Washington. Durante sua rixa recente, cada país acusou o outro de se imiscuir em seus assuntos internos.

Os defensores de cada lado acusam o lado oposto de ciberespionagem. Nos últimos dois anos, em um esforço aparente para causar constrangimento aos Emirados Árabes Unidos e beneficiar o Qatar, hackers anônimos transmitiram ao "New York Times" e outras organizações noticiosas uma longa série de e-mails vazados da conta de Hotmail do embaixador al-Otaiba.

No fim de semana o NYT teve acesso a um e-mail datado de 12 de setembro de 2011, em que um diplomata árabe questionava a posição dos Estados Unidos sobre onde a embaixada do Taleban deveria ser situada.

"Há um artigo no 'Times' de Londres que menciona que os EUA estão apoiando a abertura de uma embaixada do Taleban em Doha", escreveu o diplomata, Mohamed Mahmoud al-Khaja, a Jeffrey Feltman, então secretário-assistente de Estado para assuntos do Oriente Médio. Ele empregou a sigla "HH", presumivelmente para aludir a seu chefe, "His Highness" (Sua Alteza) Abdullah bin Zayed.

"HH diz que tínhamos a impressão de que Abu Dhabi era a primeira escolha de vocês, mas foi isso que nos informou" o enviado das Nações Unidas ao Afeganistão, disse Khaja.

Em e-mail distinto datado de 28 de janeiro de 2012, o próprio Otaiba escreveu a outro representante dos EUA sobre queixas semelhantes feitas por Zayed. Ele utilizou uma sigla diferente, "ABZ".

"Recebi uma ligação irada de ABZ perguntando por que não fomos informados disso", escreveu al-Otaiba. "Esses caras" (os qatarianos) "querem estar no meio de tudo. Então que fiquem no meio. Um dia tudo isso vai voltar para atormentá-los."

Representantes da embaixada dos Emirados Árabes Unidos em Washington não comentaram sobre o assunto. Um representante do Departamento de Estado também se negou a dar declarações, dizendo que perguntas devem ser dirigidas aos Emirados Árabes Unidos.

Mas três ex-funcionários do governo americano confirmaram esta semana que em um primeiro momento, os árabes quiseram sediar uma embaixada do Taleban.

ESFORÇO PARA A PAZ

Funcionários dos EUA dizem regularmente que o Qatar concordou em receber a embaixada do Taleban como parte de um esforço mais amplo liderado pelos Estados Unidos para fomentar negociações de paz no Afeganistão, e não porque o Qatar apoiasse o Taleban ou sua ideologia. (A abertura de uma representação do grupo militante palestino Hamas no Qatar também foi organizada com a aprovação dos Estados Unidos.)

Recordando as negociações sobre a escolha da sede da embaixada do Taleban, os ex-funcionários do governo americano disseram que tanto os Emirados Árabes Unidos quanto o Qatar queriam ampliar seu papel como atores em assuntos internacionais e nenhum dos dois queria que seu rival tivesse a oportunidade de sediar as negociações de paz.

Contudo, uma vez tomada a decisão de abrir a embaixada em Doha, Otaiba citou várias vezes a presença dela como parte de sua lista de queixas contra o Qatar, a primeira das quais é a aliança pública do Qatar com os políticos islâmicos da Irmandade Muçulmana em toda a região.

"Não acho que seja coincidência o fato de que em Doha você tem a liderança do Hamas, você tem uma embaixada do Taleban, você tem a liderança da Irmandade Muçulmana", disse Otaiba na semana passada em entrevista ao apresentador de TV americano Charlie Rose.

"Por que eles fazem isso?", perguntou Otaiba. "Não temos a resposta, mas eles parecem estar em conflito com a visão fundamental do que queremos que a região seja."

Tradução de CLARA ALLAIN

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