Ação tímida do Brasil em relação à crise venezuelana é alvo de críticas
Em seu giro latino-americano na semana passada, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, passou pela Colômbia, Argentina, Chile e Panamá. O Brasil, apesar de ser a maior economia da região, não fez parte do roteiro.
O principal assunto da viagem de Pence foi a crise na Venezuela. E, mais uma vez, o Brasil ficou de fora. Nos seis pronunciamentos feitos pelo vice, o Brasil foi mencionado de maneira apenas lateral, em um pedido de pressão sobre a Coreia do Norte e em referência às reformas econômicas do país.
Países como a Argentina e a Colômbia foram elogiados por sua liderança na condução da crise venezuelana e esforços para monitorar integrantes corruptos do regime e seus ativos financeiros.
Na visão de vários analistas, a atuação do Brasil em relação à crise na Venezuela tem sido acanhada.
"O Brasil está bastante concentrado em sua situação interna, apenas se uniu a outros países em condenações à Venezuela, mas não tem desempenhado papel de liderança em relação à crise", diz Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano.
"Externamente, a percepção é que o Brasil está consumido pela crise interna e isso só vai começar a mudar, no melhor dos cenários, com o governo que começa em 2019; por isso, nos EUA, a posição de Macri [Mauricio Macri, presidente argentino], Santos [Juan Manuel Santos, da Colômbia], Bachelet [Michelle Bachelet, do Chile] e PPK [Pedro Pablo Kuczynski, do Peru] tem recebido muito mais atenção", diz Roberto Simon, analista de risco político para América Latina da FTI Consulting.
"Além disso, o Brasil não tem mais influência sobre a Venezuela, perdeu capacidade de interlocução com o regime Maduro", diz ele.
O Brasil liderou o esforço para suspender a Venezuela do Mercosul em 2016, com apoio do Paraguai. Na época, a Argentina relutava, porque a chanceler Susana Malcorra era candidata à secretaria-geral da ONU e não queria criar fricção, assim como o Uruguai, por causa da Frente Ampla, que defendia Maduro.
Em 5 de agosto, a Venezuela voltou a ser suspensa do bloco, desta vez por "ruptura da ordem democrática".
Três dias depois, o Brasil e outras 11 nações assinaram a carta de Lima, que determina que os países não aceitarão decisões tomadas pela Assembleia Constituinte convocada por Maduro como forma de enfraquecer a Assembleia Nacional, dominada pela oposição. Isso pode afetar várias operações financeiras, que teriam de ser assinadas pela Assembleia Nacional.
Agora, o governo brasileiro aposta que a OEA vai conseguir finalmente aprovar a Carta Democrática e suspender a Venezuela.
Várias tentativas fracassaram porque os países do Caribe, que compram petróleo venezuelano subsidiado, votam contra. Mas o governo brasileiro acredita que a situação está mudando.
Outros países vêm se movimentando mais. O chanceler mexicano, Luis Videgaray, foi a Havana na sexta (18) na tentativa de persuadir o governo cubano, um dos principais aliados de Maduro, a ajudar na resolução da crise.
Em troca, México ofereceu a Cuba a expansão de uma linha de crédito do banco estatal Bancomext, de € 30 milhões para € 56 milhões.
O Peru expulsou o embaixador venezuelano em Lima, em protesto à criação da Assembleia Constituinte na Venezuela. O Brasil não poderia fazer isso, porque a Venezuela retirou seu embaixador em Brasília em maio de 2016, em protesto ao impeachment de Dilma Rousseff. O embaixador brasileiro na Venezuela, Ruy Pereira, continua no posto, embora não se descarte a convocação dele como sinalização de condenação.
Para Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da FGV, o governo brasileiro deveria dizer de forma clara à Rússia e à China que o apoio que vêm dando ao regime Maduro atrapalha a região.
A dívida venezuelana com a China chega a US$ 65 bilhões. E a exportação de petróleo para a China paga empréstimos já feitos. A Rússia vende armas e produtos alimentícios, como trigo.
Os dois países também dão apoio político. Na quarta-feira, o chanceler russo, Serguei Lavrov, voltou a dizer que os problemas na Venezuela devem ser superados "através do diálogo nacional e sem ingerências exteriores".
Para não carregar o ônus de pressionar sozinho China e Rússia, o Brasil poderia se unir à Argentina. Mas na visão do governo, China e Rússia nunca se dobrariam a essa pressão.P
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