Descrição de chapéu The New York Times

Não vejo a hora de dirigir, diz saudita ameaçada por proibição

MANAL AL-SHARIF
ESPECIAL PARA O "NEW YORK TIMES"

Em maio de 2011, peguei um carro na cidade de Khobar, na Arábia Saudita, para protestar contra a proibição do reino às mulheres no volante.

Como resultado, fui detida, levada da minha casa no meio da noite e passei nove dias presa, durante os quais fui interrogada, revistada e acusada de ser traidora e espiã. Fui solta somente depois de meu pai ter implorado o perdão do rei Abdullah, o soberano na época.

Depois disso, muita gente no meu país passou a me evitar. Os clérigos pediam que eu fosse chicoteada, apedrejada, morta até. Em questão de um ano, fui forçada a abandonar o emprego; a seguir, temendo pela minha segurança, deixei o país onde nasci e cresci e onde tinha começado minha própria família.

Outras mulheres, antes e depois de mim também foram detidas, também perderam o emprego e também foram presas simplesmente por se colocarem atrás do volante de um automóvel.

Protestamos contra a proibição das mulheres na direção porque seus efeitos vão muito além dos carros, ruas e estradas. Implica em não podermos levar nossos filhos para a escola; não podermos levar um ente querido ao médico ou ao hospital; não podermos ir ao trabalho ou ao supermercado sozinhas. Implica na perda da forma mais básica de dignidade e controle sobre nossas vidas.

É por isso que, para as mulheres sauditas, 26 de setembro de 2017, data em que a monarquia anunciou sua intenção de acabar com a tal proibição, será lembrada como o Dia da Emancipação —e é tão monumental para nós quanto foi o 18 de agosto de 1920 para as americanas, quando a 19ª Emenda, que lhes dava direito de voto, foi ratificada.

Finalmente as mulheres sauditas terão liberdade de movimento —e voz. A sociedade do país nunca mais será a mesma. Das minhas amigas que vivem no reino, ouvi uma mistura de descrença e alegria. A caixa de entrada do meu e-mail está lotada com mensagens de encantamento. Na linha do tempo da minha página no Facebook, vejo a alegria delas. "Finalmente é verdade", escreveu uma. Outra sonha mais alto: "Espero que todas as leis sejam reformadas até que haja igualdade total entre os sexos."

As americanas lutaram por sua emancipação básica durante o período áureo da bicicleta. A grande pioneira dos direitos femininos, Susan B. Anthony, disse que ela "fez mais pela emancipação feminina do que qualquer outra coisa no mundo". O meio de transporte libertou a mulher do século 19 de casa e da dependência dos homens. Espero que na Arábia Saudita, o carro faça o mesmo.

No sistema saudita, a mulher é considerada inferior. Seja na idade que for, teremos sempre um homem como guardião. A ele temos que pedir permissão para estudar, trabalhar, casar, viajar para o exterior e até para fazer procedimentos médicos mais simples. Eu nasci no chão do nosso apartamento, em Meca, minha mãe tendo apenas minha irmã —que na época não tinha mais de três anos— para ajudá-la, porque meu pai estava trabalhando e nenhum outro homem da família estava disponível para levá-la ao hospital.

Tenho certeza de que alguns segmentos da sociedade se oporão violentamente à nova resolução. Nos últimos seis anos foram realizados "estudos" oficiais, a pedido do governo, declarando que a mulher danifica os ovários ao se sentar no banco do motorista e, por isso, terá filhos "com problemas clínicos".

Em 2011, ano em que dirigi, um relatório acadêmico preparado para a Legislatura Saudita, a Shura, concluiu que a permissão dadas às mulheres para dirigir levaria à deterioração da sociedade, incluindo "pornografia, prostituição, homossexualidade e divórcio". Na semana passada, um clérigo, alertando para o perigo das mulheres ao volante, alegou que elas só têm "metade do cérebro de um homem", acrescentando que esse volume cai para um quarto "quando elas fazem compras".

Esse tipo de linguagem pode ser chocante até você se lembrar de que, cem anos atrás, as sufragistas norte-americanas que pediam pacificamente o direito de voto foram detidas, torturadas, espancadas, alimentadas à força e trancafiadas em instituições para doentes mentais —mas insistiram e venceram. Como as irmãs dos EUA, as sauditas também continuam insistindo.

Nós, na Arábia Saudita, somos pássaros com as asas cortadas: afinadíssimas no canto, mas incapazes de alçar voo. Isso vai mudar. Agora temos que nos tornar a força motriz de nosso próprio destino, ser capazes de tomar nossas próprias decisões. Nosso cérebro é cem por cento força; somos totalmente capazes de tomar conta de nós mesmas.

Quando fui forçada a deixar meu país e minha família, sonhava com o dia em que pudesse voltar —não de avião, mas dirigindo, cruzando a fronteira e o deserto, até chegar em casa. Hoje já não preciso mais sonhar; em junho que vem, quando a mudança entrar em vigor, pretendo fazer esse percurso.

Por enquanto, porém, vamos aproveitar este momento para agradecer a todas as mulheres que fizeram o impossível e se colocaram atrás do volante.

MANAL AL-SHARIF defende os direitos da mulher e é autora do livro de memórias "Daring to Drive: A Saudi Woman's Awakening"

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