Impasse fica, mas confronto entre Madri e Catalunha é adiado
Albert Gea/Reuters | ||
O presidente catalão, Carles Puigdemont, antes de seu discurso no Parlamento regional, em Barcelona |
A explicação mais racional para o recuo do presidente catalão Carles Puigdemont caso da independência é a conhecida frase segundo a qual a visão da forca concentra a mente.
No caso, o que Puigdemont talvez tenha visto não é propriamente a forca mas o abismo em que se jogaria —e, com ele, a Catalunha— se declarasse a independência para valer já.
Duplo abismo, aliás. Primeiro, o econômico: a debandada de empresas com sede na Catalunha, já executadas ou pelo menos anunciada, o que, como é óbvio, empobrece a região.
Segundo abismo, o social: a formidável manifestação de domingo (8) em Barcelona, contra a declaração de independência, mostrou que os catalães estão, no mínimo, muito divididos em relação à separação da Espanha.
Na verdade, o plebiscito ilegal do domingo anterior (1º) pode ser lido como um voto majoritário contra a independência. Participaram apenas 42% dos eleitores e 90% votaram pela independência. Ora, 90% de 42% dá apenas 38% a favor da separação.
Consumá-la agora seria aprofundar a fratura na sociedade catalã, como, de resto, afirmou a prefeita de Barcelona, Ada Colau, ela própria egressa da sociedade civil.
O recuo de Puigdemont, de todo modo, afasta por enquanto um cenário inevitável de confrontação —interna e com o Estado central— mas nem de longe elimina o impasse.
A independência continua sendo o objetivo do governo catalão e rejeitá-la continua sendo a única opção disponível para o governo central. Afinal, a indissolubilidade da Espanha consta de uma Constituição aprovada pela esmagadora maioria dos espanhóis e dos próprios catalães (mais de 90% deles votaram por ela).
Quebrar a unidade exigiria mudar a Constituição, o que, por sua vez, necessita da aprovação de todos os espanhóis, não apenas dos catalães.
De todo modo, ao adiar a independência e ao propor o diálogo, Puigdemont adia também o confronto. Se cumprisse a promessa de declarar a independência imediata, o governo central teria invocar o artigo 155 da Constituição, que permite a intervenção na Catalunha.
Para que a intervenção fosse efetivada, seria necessário recorrer aos militares, até porque a Polícia Nacional demonstrou no plebiscito do dia 1º que não dá conta de enfrentar a rebelião.
Nessas circunstâncias, o confronto seria inevitável, muito provavelmente com cenas ainda mais violentas dos que a registradas no plebiscito ilegal.
Adiado o confronto, abre-se uma tênue chance de alguma saída criativa, como seria um arranjo para um referendo legal. Para os que são contra a independência, seria a oportunidade para que a maioria dos catalães também visse a forca à frente e, temendo-a, votasse por permanecer na Espanha.
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