Jovens se reorganizam na Venezuela após confrontos violentos em julho

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

São seis horas da tarde, a três dias das eleições para governadores na Venezuela, e a praça Altamira, um dos principais palcos em Caracas dos enfrentamentos entre manifestantes anti-Maduro e as forças do Estado, parece ter voltado no tempo. Pessoas caminham apressadas para chegar em casa, idosos e adolescentes estão sentados nos bancos ou na grama.

Não há sinal das verdadeiras cenas de guerra que foram vistas na semana da votação da Assembleia Constituinte, em julho —a mais famosa delas foi quando um grupo de motos de policiais adentrou labaredas após a explosão de uma bomba.

"Passou o momento de ira. A escalada da violência foi em questão de meses, cada um ia se juntando porque sentia que estava sendo afetado diretamente, ou por ter um parente doente sem medicamento, ou porque entraram nas nossas universidades, ou porque colegas iam sendo feridos ou presos. Foi uma explosão de fúria", explica à Folha um dos líderes do La Resistencia em Caracas, Javier Burgos, 23.

O grupo, que desde 2014 vem arregimentando jovens para confrontar a ditadura de Nicolás Maduro, agora está em fase de reorganização.

"Há, sim, um clima de resignação por parte da população, instalado depois da posse da Constituinte. Por puro desânimo. Mas nós não estamos parados. Aprendemos nesses enfrentamentos a perder o medo", emenda Hector Milano, 18, estudante. Estimativas de ONGs indicam que cerca de 3.000 pessoas foram presas por participar em atos políticos -por volta de 2.000 são da Resistencia.

"Eu nasci três meses depois de [Hugo] Chávez tomar posse, em 1999. Só conheci esse sistema e ele só foi piorando. Nós temos que tirar algo bom dessa experiência porque o futuro da Venezuela somos nós", completa.

Reunidos pela Folha num shopping center de Caracas, os jovens do La Resistencia contaram de modo mais detalhado o que querem dizer com "perder o medo".

"Teve um dia em que eu corri atrás de um policial que tinha atacado uma amiga. Nós dois caímos no rio Guaire, ele tentou me afogar e eu revidei. Meus colegas me tiraram da água, mas o sujeito, ferido, foi levado pela corrente até um lugar onde outros manifestantes o lincharam e o mataram. Apesar de eu estar na rua para enfrentá-los, foi forte saber que o sujeito morreu, conta Burgos.

Já Yessimar Cartaya, 20, moradora do bairro popular de 23 de Enero, conta que começou a ir aos protestos acompanhando a mãe, mas logo que achou que marchar com bandeiras não bastava.

"Minha avó é diabética, e cada vez está mais difícil comprar remédios. A cesta básica que o governo manda para minha família, supostamente para um mês, dura uma semana. Eu não podia cruzar os braços." Passou, então, para a linha de frente dos enfrentamentos.

Há várias linhas dentro da Resistencia, que atua em todo o país, especialmente em regiões com muitos estudantes. Algumas estão virando o embrião de um possível partido e outras, se alinhando com candidatos. Muitos, porém, pensam que é melhor esperar e não ter compromisso com ninguém.

"A oposição que está aí é a velha política, e até agora não conseguiram conter esse governo. Então é melhor refletir e sair disso com uma proposta nova", diz Milano.

Alguns líderes oposicionistas, porém, têm buscado o grupo. "Nós fomos chamados pela María Corina Machado. Apesar seu posicionamento ser radical à direita, achei-a muito comprometida. E o modo como explicou os bastidores de como funciona o Estado me esclareceu muita coisa. Mas por enquanto não estamos nos alinhando com ninguém", conta Burgos.

Para a eleição de domingo (15), os jovens dizem que não farão nada. "Vamos acompanhar, nosso momento ainda está por chegar. Por enquanto, seguiremos nas ruas", afirma Burgos.

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