Falso perfil republicano criado por russos engana celebridades nos EUA

CRAIG TIMBERG
ADAM ENTOUS
DO "WASHINGTON POST"
ELIZABETH DWOSKIN
DO "WASHINGTON POST", EM SAN FRANCISCO

Agentes russos usaram um perfil falso no Twitter que dizia ser do Partido Republicano do Tennessee para convencer políticos, celebridades e jornalistas americanos a compartilhar conteúdo selecionado a suas enormes listas de seguidores, segundo duas pessoas inteiradas do assunto.

A lista de pessoas importantes que tuitaram links dessa conta, @Ten_GOP, que o Twitter fechou em agosto, inclui figuras políticas como o ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump Michael Flynn e Roger Stone, celebridades como Nicki Minaj e James Woods, e personalidades da mídia como Anne Coulter e Chris Hayes.

Não há evidências de que algum deles soubesse que o perfil era controlado por russos. Pesquisadores independentes haviam suspeitado de que ela fosse russa, e seu trabalho foi confirmado na quarta-feira (18) por duas pessoas informadas das investigações sobre a interferência do Kremlin na eleição americana.

A disseminação de links da conta mostra o alcance notável de uma campanha de desinformação que usou o poder das celebridades americanas e o imediatismo das redes sociais para enviar mensagens mais longe, mais rápido e mais barato do que era possível poucos anos atrás.

No momento em que a atenção do público se concentrou na utilização do Facebook pela Rússia, as novas descobertas sobre o alcance de @Ten_GOP salientam o papel que o Twitter e outras redes sociais também tiveram para alcançar o público, incluindo pessoas com influência na narrativa política.

"Eles estão tentando influenciar os influenciadores", disse Jonathan Albright, diretor de pesquisa do Centro Tow de Jornalismo Digital na Universidade Columbia, que, como vários outros pesquisadores, usou ferramentas analíticas para mapear a disseminação da conta russa relatada. "Eles estão criando 'buchicho'. É uma máquina de 'buchicho'."

Michael Sullivan, diretor-executivo do Partido Republicano do Tennessee, cujo endereço real é @TNGOP, disse que seu grupo se queixou ao Twitter sobre o perfil russo em setembro do ano passado, assim como em março e agosto.

"Fizemos um trabalho significativo tentando melhorar nossa pegada digital, por isso é muito frustrante quando você vê algo desse tipo surgir e continuar fingindo ser você", disse Sullivan.

Ele disse que nunca retuitou à conta para esclarecer as coisas. "Nós não queríamos lhes dar crédito por chamar nossa atenção."

O site de notícias russo RBC citou @Ten_GOP em uma reportagem nesta semana sobre a campanha de desinformação. A conta foi criada, segundo versões arquivadas de sua página, em novembro de 2015 e incluía o brasão do Estado do Tennessee e as palavras "Eu amo Deus, eu amo meu país".

Procurado pela reportagem, o Twitter não quis comentar o falso perfil russo.

ALCANCE MAIOR

Em termos de números simples, o Twitter é uma pequena fração do tamanho do Facebook, com menos de 70 milhões de usuários. Mas o alcance do Twitter é maior, porque muitas celebridades e pessoas da mídia usam a plataforma para compartilhar suas opiniões e inserem tuítes em seu conteúdo pessoal.

Isso fez dela o alvo ideal para agentes russos que buscavam moldar a opinião pública na eleição de 2016, segundo Clinton Watts, um ex-agente do FBI e professor convidado no Instituto de Pesquisa de Política Externa.

"O Twitter pode espalhar conspirações muito mais depressa" que o Facebook, disse Watts. "Essas contas mostram que eles estavam envolvidos no mais alto nível da campanha. Se eles [agentes russos] podem colocar suas mensagens nos feeds dos líderes das campanhas, isso tem um peso tremendo."

O tuíte enviado por @Ten_GOP em 10 de outubro de 2016, um dia depois do segundo debate presidencial, foi apresentado em uma reportagem na revista People online sobre reações importantes na internet. "Trump massacrou Hillary", tuitou @Ten_GOP, com as palavras seguidas de imagens de facas e o hashtag #debate.

Outro tuíte que viajou bastante veio de Flynn três dias antes da eleição e ligava a um anúncio que chamava a democrata Hillary Clinton de desonesta.

O anúncio, mostrando uma atriz afro-americana no que a princípio parecia ser um anúncio de campanha apoiando Clinton, subitamente mudava de tom, com a atriz parando a ação para dizer que ela não podia falar linhas de script elogiando Clinton porque elas não combinam com a verdade. "Não sou tão boa atriz", disse a mulher não identificada.

Na tela, em letras vermelhas, as palavras "ALGUMAS PESSOAS MENTEM MELHOR QUE OUTRAS. PAREM HILLARY".

Esse anúncio —produzido pelo Make America Number 1, um Supercomitê de Ação Política amplamente apoiado pelo financista conservador Robert Mercer— foi apresentado em um artigo em outubro de 2016 no Breitbart News e teria sido transmitido na televisão nos Estados indecisos de Ohio e Pensilvânia.

A conta @Ten_GOP também tuitou sobre isso na época. Flynn reenviou esse tuíte em 5 de novembro, dizendo que era "ótimo" e merecia ser amplamente divulgado. Mais de 65.300 contas o retuitaram ou clicaram num botão de "gostei" em forma de coração para transmitir o link do anúncio a seus seguidores, segundo dados do Twitter disponíveis no tuíte de Flynn.

Mais tarde ele teve um curto período como assessor de segurança nacional de Trump e hoje está sendo analisado por investigações federais que testam possíveis ligações entre a Rússia e a campanha de Trump. Segundo seu advogado, Flynn não quis comentar o assunto.

Stone, um assessor informal da campanha presidencial de Trump e outra figura na investigação da Rússia, linkou a um tuíte e uma imagem de @Ten_GOP que foi apagada pelo Twitter e não está disponível na Wayback Machine, um site online mantido pelo Internet Archive, grupo sem fins lucrativos de San Francisco. Stone disse em um e-mail que lembrava de tuitar sobre uma foto.

"Não há como saber a origem da imagem", escreveu ele.

CELEBRIDADES

Os que compartilharam links de Ten_GOP tendiam a ser conservadores, segundo a pesquisa de Albright, mas incluíam alguns liberais e outros.

Nikki Minaj, uma cantora pop, tuitou um link em abril de 2017 originário de @Ten_GOP. Uma versão arquivada do tuíte original se concentra na perturbadora morte a tiros de um homem idoso em Cleveland que foi transmitida ao vivo no Facebook. O tuíte dizia sobre o assassino: "Ele afirmou no Facebook que já matou 15 pessoas em uma 'chacina da Páscoa'".

Minaj, cujos representantes não responderam ao "Washington Post", parecia estar reagindo aos próprios fatos mais que ao tuíte de @Ten_GOP, que ela linkou ao seu tuíte. "O vídeo que vocês postaram é muito perturbador", disse ela. "Estejam seguros em Cleveland hoje, todo mundo. Ele simplesmente matou esse velho ao vivo na rede social. Jesus, tenha piedade."

Esse tuíte foi retuitado e "aprovado" mais de 25.600 vezes. O tuíte original foi compartilhado quase 8.700 vezes. O conteúdo também apareceu em reportagens que ricochetearam pela internet, em canais como Daily Beast, "Vanity Fair", Huffington Post e Fox News.

Mas esses números quase certamente não levam em conta quantos usuários do Twitter viram o tuíte. Quando uma celebridade como Minaj retuíta ou "aprova" um link, ele pode potencialmente acabar nos feeds de seus 21 milhões de seguidores. Não há como saber quantos o leram.

Investigadores, legisladores e pesquisadores de propaganda disseram que a campanha de desinformação russa foi hábil no uso dos trolls, que são pessoas muitas vezes contratadas para forçar certo tipo de conteúdo, e dos bots, que são contas automatizadas que podem ser programadas para postar certos tipos de mensagens para ampliar a disseminação de narrativas preferidas.

Bots e trolls são mais eficazes, segundo especialistas, quando encontram maneiras de interagir online com pessoas reais —especialmente as que têm grande número de seguidores.

"Conseguir que uma celebridades ou alguém famoso retuíte o que uma rede de trolls ou bots está enviando dá uma ilusão de legitimidade e permite que ela seja recebida por um público maior", disse Samuel Woolley, um pesquisador de propaganda online e diretor de pesquisa no Laboratório de Inteligência Digital no Instituto para o Futuro, um grupo de pensadores de Palo Alto, na Califórnia.

O âncora da MSNBC Chris Hayes linkou a um tuíte @Ten_GOP, chamando-o de "melhor tuíte até agora no #Dia da Terra". O tuíte original dizia "Nada diz mais sobre 'ativistas' ambientais na #MarchForScience do que os montes de lixo que eles deixaram para trás. #EarthDay". E mostrava fotos de duas latas de lixo transbordantes.

"Eu me lembro vagamente que o tuíte era bem maluco e pensei que fosse a conta verdadeira do Partido Republicano do Tennessee por causa do nome", disse Hayes.

Coulter retuitou o @Ten_GOP em março, considerando o modo como a questão dos procuradores de Justiça dos EUA conduzida por Trump foi retratada em reportagens na mídia. O ator James Woods retuitou @Ten_GOP várias vezes, incluindo uma em fevereiro, em que Woods acrescentou acima do link as palavras: "Paris reverbera com o doce som do terrorismo islâmico..."

Nem Coulter nem Woods responderam aos pedidos de entrevista.

Colaborou TOM HAMBURGER.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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