Descrição de chapéu The New York Times

Com ajuda do YouTube, emissora russa se tornou uma gigante online

Crédito: Julie Jacobson - 12.jan.2012/Associated Press ORG XMIT: NVJJ113 Robert Kyncl, Vice President of Global Content Partnerships at YouTube, speaks during his keynote address at the 2012 International CES tradeshow, Thursday, Jan. 12, 2012, in Las Vegas. (AP Photo/Julie Jacobson)
Robert Kyncl participou da comemoração do marco de um bilhão de visualizações no YouTube da RT

DAISUKE WAKABAYASHI
NICHOLAS CONFESSORE
DO "NEW YORK TIMES", EM SAN FRANCISCO (EUA)

Quando o canal de notícias russo RT, que tem o apoio do Estado russo, tornou-se a primeira organização noticiosa a passar de 1 bilhão de hits no YouTube, em 2013, ele festejou a realização com uma retrospectiva de seus vídeos mais populares e a presença de um convidado especial: um dos executivos seniores do YouTube, que pertence ao Google.

Robert Kyncl, vice-presidente do YouTube que desde então se tornou diretor comercial, conversou com um âncora da RT em um estúdio. Ele elogiou a RT por criar um relacionamento com seu público, pelo fato de lhes oferecer conteúdos "autênticos", em vez de "agendas ou propaganda".

Mas hoje, quando investigadores em Washington examinam o alcance e grau de interferência russa na política dos Estados Unidos, a relação antes íntima entre RT e YouTube está atraindo escrutínio mais intenso.

O YouTube é a plataforma de vídeos mais visitada do mundo e pertence a uma das corporações mais poderosas e influentes dos Estados Unidos.

Ele desempenhou papel crucial em ajudar a construir e promover a expansão da RT, organização que a comunidade americana de inteligência descreve como "a principal emissora internacional de propaganda" do Kremlin e peça chave nas operações de guerra de informações conduzidas pela Rússia pelo mundo afora.

Enquanto agentes alinhados com o Kremlin construíam secretamente grupos no Facebook para fomentar divisões e desencadeavam multidões de bots no Twitter para alimentar críticas a Hillary Clinton, a RT trabalhava abertamente, fortalecida por um dos maiores públicos online de qualquer organização noticiosa do mundo e por um lugar de destaque nos resultados de buscas empreendidas no YouTube.

Quando a campanha eleitoral presidencial americana estava esquentando, na primavera de 2016, a RT divulgou constantemente reportagens de teor negativo sobre Hillary Clinton, segundo fontes de inteligência dos EUA.

As narrativas divulgadas incluíam alegações sobre suposta corrupção na fundação da família Clinton e sobre supostos laços da candidata com o extremismo islâmico, cobertura frequente de e-mails roubados por agentes russos do presidente da campanha de Hillary e acusações de que Hillary estaria em saúde física e mental precária.

O canal russo foi uma das primeiras organizações noticiosas a reconhecer o poder do YouTube e a desenvolver conteúdos que visam especificamente funcionar bem nessa plataforma.

A RT carrega vídeos frequentemente, incluindo vídeos virais leves sobre desastres —acidentes de avião, tsunamis, a queda de um meteorito— para ganhar mais "curtidas" e para ser vista por mais tempo, algo que o algoritmo do YouTube lhe recompensa com uma colocação melhor entre os resultados de buscas e as recomendações.

Em muitos casos pegos emprestados de outras fontes, os vídeos virais ajudaram a aumentar a base de assinantes da RT, e esses assinantes tornaram-se parte da plateia visada pelo Kremlin para receber mais conteúdos políticos.

O YouTube também proporcionou à RT vários tipos de mordomias reservadas às fontes que publicam grande volume de materiais, incluindo segundos planos customizados para o canal em seus primórdios e um "sinal de tique" que designava a RT como sendo uma fonte de notícias verificadas.

Até recentemente, a RT também fazia parte de um grupo seleto de organizações noticiosas incluídas no conjunto de fontes de jornalismo classificadas pelo Google como suas preferidas, algo que lhe garantia acesso a receita garantida dos maiores anunciantes. Na prática, esses anunciantes subsidiavam o braço depropaganda política internacional da Rússia.

No mês passado o Google tirou a RT de sua lista de fontes preferidas.

Andrea Faville, uma porta-voz do Google, disse que a decisão não teve relação com o inquérito do Congresso americano e que se deveu a "uma atualização padrão de algoritmo". Mas o Google também observou que não está impondo nenhuma outra limitação à RT: esta ainda poderá vender anúncios em seus vídeos, como de praxe, e o downgrade de seu status preferido se aplica apenas aos Estados Unidos.

Kirill Karnovich-Valua, o vice-editor executivo da RT, disse que a organização não foi informada da decisão do Google e estava perplexa, sem entender por que foi tirada da lista de preferidas, apesar de ser "um dos canais do YouTube mais vistos no mundo".

"Isso revela a pressão política inusitada que está sendo aplicada cada vez mais a todos os parceiros e relacionamentos da RT, em um esforço coordenado para expulsar nosso canal do mercado americano, completamente e através de todos os meios possíveis", escrever Karnovich-Valua via e-mail.

No mês passado, a RT disse que o Departamento de Justiça dos EUA exigiu que uma empresa privada filiada à RT America se cadastrasse como "agente estrangeiro" —termo derivado de uma lei promulgada originalmente em 1938 com a finalidade de barrar a propaganda política nazista.

Na quinta-feira, depois de ter se esgotado o prazo final dado pelas autoridades americanos, uma porta-voz da RT disse que a organização estava "fazendo todo o possível para evitar que a RT seja obrigada a se cadastrar".

O cadastramento como agente estrangeiro pode obrigar a RT a revelar muitas informações a seu respeito, algo que representaria um incômodo especial para uma organização de mídia que produz conteúdos frequentes.

O presidente russo, Vladimir Putin, reagiu de modo mais enfático, dizendo na semana passada que, se os EUA impuserem restrições à mídia russa, a Rússia agirá "de modo simétrico e rápido".

Também está sendo investigado o uso feito pela RT de outras plataformas de tecnologia. No mês passado, representantes do Twitter disseram a um Comitê de Inteligência do Senado que três contas da RT voltadas a uma plateia americana, com uma audiência conjunta de cerca de 6 milhões de usuários, gastaram US$274.100 para promover tuites em 2016.

Alguns parlamentares, incluindo o senador Mark Warner, querem mais regulamentação e que as plataformas de mídia social sejam obrigadas a divulgar informações sobre seus anúncios políticos. Mas a forte presença da RT no YouTube mostra como pode ser difícil limitar a influência estrangeira.

"Não é um segredo. Não é nada muito difícil, mas eles o estão fazendo muito melhor", disse Christoph Burseg, que comanda a consultoria estratégica e analítica VeeScore.com, que rastreia o uso do YouTube.

"A não ser que o YouTube decida intervir manualmente, a RT vai continuar a estar muito presente. Ela não está fazendo nada de errado, está apenas aproveitando os algoritmos."

Tradução de CLARA ALLAIN

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