Declaração britânica que levou à criação de Israel completa 100 anos
Há exatos cem anos, a Declaração Balfour, documento inglês de 67 palavras, dava o pontapé inicial para uma mudança geopolítica que ainda sacode o Oriente Médio: a criação do Estado de Israel.
Comemorado pelos israelenses, o documento é abominado pelos palestinos, que fizeram manifestações em Israel, nos territórios palestinos e em Londres contra o jubileu da missiva, firmada em 2 de novembro de 1917.
GPO/AFP | ||
Foto do secretário de Exteriores britânico Arthur Balfour, signatário da declaração sobre o Estado judaico |
No texto, o secretário do Exterior, Arthur James Balfour, escreveu que o império britânico simpatizava com a ideia da criação de um Estado judeu no então território da Palestina —à época parte do Império Turco-Otomano.
O destinatário era Lionel Walter Rothschild, o Barão de Rotschild, líder da comunidade judaica inglesa. O texto diz:
"O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para o Povo Judeu, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país."
A declaração foi o primeiro documento de peso a apoiar o movimento sionista, que defendia a noção de que os judeus eram um povo sem terra própria que, diante do antissemitismo na Europa, mereciam ter seu "lar nacional".
A maior vertente do sionismo —que se consolidou como a vencedora— defendia que o local deveria ser a terra bíblica ancestral dos judeus, de onde foram expulsos em 70 d.C. por Roma.
Quando, em 1920, como resultado do Acordo Sykes-Picot (que fatiou o Oriente Médio entre britânicos e franceses após a Primeira Guerra Mundial), o Reino Unido passou a controlar a Palestina, a Declaração Balfour se tornou política oficial. Pelo menos temporariamente (os britânicos mudariam de ideia algumas vezes).
"Sem a Declaração Balfour, não teríamos nada. Foi o nascimento da Terra dos Judeus", diz Alex Deutsch, presidente da Associação Israelense-Britânica e da Comunidade das Nações, que comemora anualmente o 2 de novembro desde 1954. "O relacionamento entre os judeus e ingleses não foi sempre pacífico, mas agradecemos muito a eles".
Diversos eventos comemorando o centenário da missiva devem acontecer, em novembro, tanto em Israel quanto na Inglaterra.
O Knesset (o Parlamento em Jerusalém) irá realizar uma sessão solene. E o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu viajará a Londres para participar de um jantar com a primeira-ministra Theresa May.
CRÍTICAS
Mas Netanyahu e May enfrentam uma intensa campanha de ONGs e líderes palestinos, que exigem que o Reino Unido peça desculpas abertamente ao povo palestino pelo documento.
Na Assembleia-Geral da ONU, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, o chamou de "injustiça histórica" e criticou as comemorações: "O pior é que, em novembro, querem celebrar o centésimo aniversário desse crime contra nosso povo."
Segundo a liderança palestina, a Declaração Balfour faria parte da "política colonial do Reino Unido entre 1917 e 1948", ignorando os mais de 600 mil árabes que moravam na região, em 1917 (90% da população, na época), indicando que só a minoria judaica teria direitos políticos enquanto a maioria não judaica contaria apenas com direitos civis e religiosos.
"Vamos exigir descupas do governo britânico e do povo britânico", diz Nabil Shaath, assessor de Abbas para comunicação externa.
"Nem Europa nem a Inglaterra queriam lidar com a presença de judeus na época. Eles foram que decidiram enviá-los aos fornos crematórios e eles foram os que decidiram amontoar judeus em navios e enviá-los à Palestina às custas de outro povo", continuou Shaath.
Mussa Qawasma/Reuters | ||
Palestinos usam sapatos para bater em boneco de Arthur Balfour em protesto na Cisjordânia |
Na verdade, um terço da população da Palestina já era composta de judeus no fim da década de 30, antes de os nazistas acionarem os primeiros campos de extermínios.
A imigração judaica —motivada pelo movimento sionista— para a região era uma realidade desde o fim do século 19 e não apenas de comunidades judaicas da Europa.
Londres já disse que não pretende se desculpar: "Temos orgulho de nosso papel na criação do Estado de Israel. O nosso objetivo agora é incentivar os movimentos em direção à paz", afirmou a Chancelaria britânica, em nota de abril deste ano.
Os historiadores se digladiam sobre os motivos que levaram Balfour a redigir sua declaração (estratégia geopolítica ou apenas simpatia pelo sionismo?), mas ninguém duvida que ele empurrou a primeira peça do dominó que levou as Nações Unidas a aprovarem, em 1947, o Plano de Partilha da Palestina —que previa um Estado para judeus e outro para árabes na região.
A sessão da Partilha, que completa 70 anos no próximo 29 de novembro, foi presidida pelo embaixador brasileiro Osvaldo Aranha, que trabalhou nos bastidores para aprová-la.
Mas, apesar a medida foi rejeitada por países árabes, que declararam guerra ao Estado de Israel criado em 14 de maio de 1948. Com sucessivas vitórias militares, os israelenses passaram a controlar a maior parte da região.
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