Os EUA sobreviverão a Trump, mas nunca mais serão os mesmos

MAX BOOT
ESPECIAL PARA A "FOREIGN POLICY"

Quando entrei na Embaixada dos EUA em Riad, na Arábia Saudita, neste verão, fiquei surpreso com o retrato mal-humorado pendurado no saguão de entrada. Donald Trump é o presidente? Parece algo tirado de um filme distópico.

Mas não é ficção-científica; é a realidade. Há um ano, os eleitores dos EUA, em sua sabedoria duvidosa, escolheram o astro de reality show e magnata imobiliário para ser nosso 45º executivo-chefe.

Como a maioria das pessoas —incluindo provavelmente o próprio Trump—, eu fiquei chocado com o resultado. Na verdade, "chocado" é uma palavra muito suave para definir o que senti. "Esmagado" é mais oportuno.

Fui dormir tarde na noite de 8 de novembro de 2016, atordoado, incrédulo de que meus conterrâneos pudessem eleger um homem tão desqualificado para a Presidência e temendo o que ele faria no cargo. O último ano foi ao mesmo tempo melhor e pior do que eu previa.

Foi melhor porque Trump na verdade não pôs em prática a maior parte de sua retórica de campanha. Ele não ordenou a tortura de suspeitos de terrorismo. Não retirou as tropas do Japão, da Coreia do Sul ou da Alemanha, apesar de esses países não terem aumentado os subsídios à proteção dos EUA.

Ele não lançou uma guerra comercial com a China , apesar de nosso deficit comercial com esse país só ter aumentado no último ano. Ele não tentou seriamente fazer o México pagar pelo muro na fronteira; nem o Congresso deverá financiá-lo, provavelmente.

Não suspendeu as sanções contra a Rússia ou fez uma grande barganha com o presidente russo, Vladimir Putin. Ele não "trancou" a candidata presidencial democrata, Hillary Clinton.

Trump saiu da Parceria Transpacífico e do acordo climático de Paris e desautorizou o acordo nuclear com o Irã, mas o Nafta continua de pé —por enquanto. Ele nos aproximou da guerra com o Irã e a Coreia do Norte , mas as bombas não começaram a cair —ainda.

Os apoiadores de Trump podem afirmar que na prática ele é mais moderado do que sua retórica sugere. Há um elemento de verdade nisto, mas a explicação mais convincente para seu fracasso em cumprir o que prometeu é tripla.

Primeiro, Trump não acredita realmente em muita coisa além de sua própria grandiosidade. Ele não disputou o cargo para realizar algo; ele o disputou para instigar seu próprio ego e rechear sua conta bancária aumentando sua visibilidade.

Portanto, dizia coisas absurdas em sua campanha, se contradizia 30 segundos depois e imediatamente passava a algo sem conexão com o anterior. Ele não quis realmente dizer muito do que disse —era apenas algo para excitar os caipiras nos comícios.

Segundo, Trump está sendo totalmente incompetente. Mesmo que ele queira realizar mais de sua agenda, não sabe como fazê-lo. Como disse Daniel Sale, do jornal "Toronto Star", ele "fala como um homem forte", mas governa como um "homem fraco".

Talvez a reforma fiscal seja feita —talvez—, mas até agora ele não assinou um único artigo de legislação importante. Na verdade, isso não é exatamente verdade: o Congresso aprovou uma lei que reforça as sanções contra a Rússia , sob protestos da administração.

Além de uma nomeação para a Suprema Corte, as únicas coisas que Trump conseguiu realizar são as que ele pôde fazer por decreto, assim praticando em escala muito maior o que antes criticava em Obama.

O terceiro motivo pelo qual Trump realizou tão pouco é que ele está cercado por pessoas que, de modo geral, não compartilham sua visão xenofóbica, isolacionista, protecionista de "os EUA primeiro".

A maioria dos que a compartilhavam —Michael Flynn , Steve Bannon , Sebastian Gorka — foi obrigada a sair porque eram excêntricos incompetentes. À falta de qualquer ideia interessante, Trump montou seu governo com base principalmente em critérios superficiais como a aparência das pessoas.

Isso ajuda a explicar por que a maioria de seus principais nomeados, incluindo Rex Tillerson, James Mattis, John Kelly, H.R. McMaster e agora Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, parecem saídos da central de elenco.

Também explica por que o ex-embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, não conseguiu um emprego: Trump não apreciaria seu bigode. Em consequência, Trump está cercado de assessores que o veem como um lunático a ser contido, e não um sábio a ser seguido.

Então isso quer dizer que a Presidência de Trump tem sido simplesmente ótima, como dizem seus torcedores? De modo nenhum. Em aspectos importantes, Trump foi pior do que eu imaginava. Se o ano passado fez alguma coisa, foi desbaratar esperanças ingênuas de que ele cresceria no cargo ou se tornaria mais presidencial.

Ele é o mesmo velho Trump que foi nos 70 anos anteriores: ignorante, petulante, antiético, avaro, conspirador, repulsivo, sem-vergonha, prepotente, egomaníaco.

Uma das características que se destacam em sua Presidência é a falta de ética. Seu ex-diretor de campanha Paul Manafort foi acusado de lavagem de dinheiro , e o ex-assessor de segurança nacional Michael Flynn estaria prestes a ser indiciado por agir como um agente estrangeiro não registrado.

Muitos homens do presidente, e até ele próprio, tiveram negócios não revelados com a Rússia, desde as tentativas de Trump de construir uma Trump Tower em Moscou durante a campanha até os constantes investimentos do secretário de Comércio, Wilbur Ross, em uma firma de transportes marítimos estreitamente associada ao Kremlin.

Trump e seus assessores, incluindo o ministro da Justiça, Jeff Sessions, mentiram constantemente sobre seus negócios com a Rússia. O ex-assessor de política externa de Trump George Papadopoulos se confessou culpado de mentir ao FBI sobre seus laços com o Kremlin; outros poderão segui-lo.

Deixando de lado a Rússia, Trump usa o cargo para promover suas propriedades, violando a cláusula de gratificações da Constituição. Ele se recusou a revelar sua declaração de renda como fizeram todos os presidentes em mais de 40 anos.

E enquanto figuras do setor privado, de Harvey Weinstein a Michael Oreskes, estão sendo demitidos por assédio sexual o presidente continua no cargo apesar de acusações verossímeis de má conduta de pelo menos 16 mulheres.

O próprio Trump basicamente admitiu as alegações em seu infame vídeo "agarre-as pela xoxota" , mas agora o secretário de imprensa da Casa Branca vergonhosamente rotulou suas acusadoras de mentirosas.

O verdadeiro mentiroso, é claro, é o próprio Trump. Segundo "The Washington Post", durante seus primeiros 263 dias no cargo, ele fez 1.318 afirmações falsas ou enganosas. É uma média de cinco falsidades por dia.

Trump preside o que é facilmente o governo menos ético desde Nixon —e com toda a probabilidade "Don the Con" [Don o mentiroso] será julgado pela história como muito pior que "Tricky Dick" [Dick o truqueiro]. Qual a maior diferença entre eles? Nixon tentou subverter o Estado de direito em particular. Trump o faz abertamente, para todos verem.

Tornou-se rotineiro o presidente exigir investigações criminais de seus adversários políticos com base em, por assim dizer, acusações "trumpeadas" (Donald Trump Jr. chega a acusar os Clintons de assassinato); pedir a revogação de licenças de canais de mídia críticos a ele; atacar o procurador especial que o investiga ; impugnar o FBI, o Judiciário e o Departamento de Justiça; e sugerir que seu próprio ministro da Justiça deveria renunciar por não fazer seu jogo político.

Certo, a maioria dessas ameaças se revelou vazia —mas não todas. Trump demitiu o diretor do FBI, James Comey, em uma tentativa descarada de obstruir a Justiça. Além disso, suas próprias palavras —vindas do homem encarregado de garantir "que as leis sejam fielmente executadas"— corroem a confiança em nosso sistema jurídico.

Quando Trump não está minando o Estado de direito, está degradando a Presidência e envergonhando o país. Trump usa o Twitter para praticar "vendettas" incríveis contra os pais do soldado Estrela de Ouro, os prefeitos de Londres e San Juan, legisladores como "Liddle" Bob Corker, republicano do Tennessee, ou "Pocahontas" Elizabeth Warren, democrata de Massachusetts, jornalistas do "falido New York Times", a "Maluca" Mika Brzezinski e uma série interminável de outros alvos, muitos deles mulheres e membros de minorias. Os tuítes de Trump são frequentemente vituperantes e cheios de erros de grafia e gramática. Eles soam como se viessem de uma instituição mental, e não da Casa Branca.

O que mais me perturba na Presidência Trump é a extensão em que ele está dividindo os americanos por raça e etnia, a serviço de suas próprias ambições políticas. Tendo vencido com apoio majoritário entre os eleitores brancos da classe trabalhadora, Trump notoriamente hesita em criticar os brancos racistas: ele achou que havia "pessoas muito boas" nos dois lados do comício dos racistas brancos em Charlottesville e defendeu as estátuas de confederados como parte de "nosso legado".

Quando assassinos brancos praticam chacinas, como recentemente em Las Vegas e Sutherland Springs, no Texas, Trump rotula o fato como uma tragédia sobre a qual pouco se pode fazer além de "pensamentos e orações".

Em contraste, ele explora todo ato terrorista cometido por um muçulmano, como o ataque no Halloween em Nova York, rotulando os perpetradores de "animais" e pedindo restrições draconianas à imigração.

Ele se prolongou na arenga contra os jogadores de futebol afro-americanos que se ajoelharam quando o hino nacional foi tocado em protesto contra a brutalidade policial. Ele perdoou o ex-xerife racista Joe Arpaio. E revogou o decreto executivo que o ex-presidente Barack Obama usou para proteger da deportação os "dreamers" –imigrantes levados aos EUA ilegalmente quando crianças.

Infelizmente, outros republicanos candidatos a cargos, como o candidato a governador Ed Gillespie na Virgínia e o candidato ao Senado Roy Moore no Alabama, imitaram o exemplo nocivo de Trump ao tentar unir os eleitores brancos com claros apelos raciais. Gillespie perdeu , mas isso não impedirá que outros imitadores de Trump tentem a sorte.

Trump pegou um país dividido e, em vez de tentar sanar essas divisões, as exacerbou. Um repórter do "Boston Globe" que viajou ao condado de York, na Pensilvânia, área em que Trump venceu, descobriu que "os ressentimentos de classe, o racismo e a xenofobia que se tornaram pontos de destaque durante a eleição foram reforçados, e não curados".

E foi isso o que Trump fez no ano desde que ganhou a Presidência. Imagine o que os próximos três anos —ou, Deus não permita, os próximos sete anos— trarão. Os EUA sobreviverão a Trump, mas não seremos o mesmo país depois dele.

O próprio fato de que grande parte de sua má conduta hoje é tão rotineira que quase não merece nota indica seu sucesso em, como disse o ex-senador democrata Daniel Patrick Moynihan, de Nova York, "rebaixar a definição de desvio". Longe de tornar "os EUA grandes de novo", ele está reduzindo um país que já foi grande a seu nível mais reles.

MAX BOOT é pesquisador sênior de estudos de segurança nacional no Council on Foreign Relations.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

Erramos: o texto foi alterado
Diferentemente do informado, Roy Moore não é senador, mas candidato ao Senado dos EUA.
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