Sobrevivente por décadas, Mugabe cometeu erro de peitar militares

FÁBIO ZANINI
EDITOR DE "PODER"

A aparente queda de Robert Mugabe se deve ao peso dos anos. Não apenas aos 93 de vida, mas sobretudo aos 37 no poder.

O ditador, sobrevivente de inúmeras ameaças a seu reinado desde 1980, quando conduziu o Zimbábue à independência, parece ter chegado ao ponto em que a autoconfiança superou o contato com a realidade.

Não há outra explicação para o fato de ter cometido o erro básico de antagonizar os militares, muitos veteranos da guerrilha de independência e ainda cultuados.

Logo ele, líder e símbolo maior nos anos 1960 e 70 da "chimurenga", palavra no idioma shona que significa "esforço revolucionário".

O ex-guerrilheiro montou sua base de poder ao longo de tantos anos num tripé: a mística por ter libertado o povo de um regime racista branco que emulava o apartheid sul-africano; a denúncia da sabotagem imperialista contra a economia de um país pobre e negro; o apoio dos ex-colegas de farda.

Com o tempo, seu papel heroico durante a guerrilha, que incluiu um período de dez anos na prisão, foi esvanecendo. Também foi ficando claro que responsabilizar "neocolonizadores" pelo desastre econômico era um truque para mascarar a incompetência doméstica. Restaram os militares.

Enquanto Mugabe não ameaçava os interesses dos veteranos de guerra, ele era tolerado, com base no entendimento de que nada mudaria de fato após a morte do velho líder.

Nos últimos anos, contudo, a crescente influência de uma nova geração, simbolizada pela primeira-dama Grace Mugabe, 52, passou a incomodar.

A gota d'água parece ter sido a demissão de Emmerson Mnangagwa (pronuncia-se "munangágua"), outro veterano da independência, e portanto próximo dos militares, do posto de vice-presidente.

Em quase quatro décadas, Mugabe foi um sobrevivente. Resistiu a conflitos tribais entre os shona, sua etnia, e os rivais ndebele, majoritários no sul e oeste do país.

Superou a pressão do apartheid, apesar da dependência da economia sul-africana. Aguentou a crise da hiperinflação na década passada, em que notas de dez bilhões de dólares zimbabuanos chegaram a ser impressas ("bilionários famintos" virou um slogan da oposição).

É algo irônico, portanto, que tenha caído por um motivo comparativamente comezinho, quase uma disputa familiar.

Há diversas questões postas agora, as principais o tempo que os militares ficarão no poder e as condições de Mnangagwa de herdar a Presidência.

Quanto ao agora ex-ditador, o que pode esperar é receber tratamento semelhante ao que deu a Ian Smith, o líder derrubado por ele, que continuou a viver livremente no país durante seu regime.

Na época, o espírito conciliador de Mugabe rendia comparações com o ícone sul-africano Nelson Mandela.

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