Itamaraty cria comissão para evitar casos de abuso e discriminação

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

O Itamaraty publicou na terça-feira (14) uma portaria determinando a criação de uma comissão de prevenção e enfrentamento do assédio moral, sexual e da discriminação. O objetivo da comissão é funcionar como um canal de denúncias, promover políticas de prevenção e combate do assédio, e dar assistência psicológica às vítimas.

Apesar da coincidência com a divulgação do processo contra o embaixador João Carlos Souza-Gomes por assédio sexual, a comissão foi criada em resposta a uma pesquisa da Universidade de Brasília, divulgada no início do ano pelo Sinditamaraty (Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores).

Na pesquisa, 66% dos entrevistados relataram terem sido vítimas de assédio moral. Mesmo com a criação da comissão e a rapidez na abertura do processo contra o embaixador Souza-Gomes, porém, muitos se mostram céticos em relação à responsabilização de acusados de assédio no ministério.

"Como é que um sujeito desses [João Carlos Souza-Gomes] avança tanto na carreira, e nada acontece com ele? Nós nos fazemos essa pergunta diversas vezes", diz Ernando Neves, presidente do Sinditamaraty. "Por que chefes de repartições diplomáticas que deveriam ter sido punidos continuam beneficiados com novos postos?"

Neves se refere ao embaixador Américo Fontenelle. Em 2013, Fontenelle era cônsul-geral do Brasil em Sydney e foi acusado de assédio moral, sexual, racismo, homofobia e abuso de poder por funcionários do consulado, que relataram ter sido ofendidos repetidamente pelo diplomata e serem alvos de brincadeiras de cunho sexual.

Após processo administrativo, o Itamaraty suspendeu Fontenelle por 90 dias. Mas ele contestou a decisão na Justiça, e sua suspensão foi interrompida. O embaixador foi nomeado em agosto para ser cônsul-geral do Brasil em Ciudad del Este, posto cobiçado por diplomatas por sua proximidade ao Brasil.

INVESTIGAÇÃO

Em nota enviada à Folha, o ministério afirma que "não admite qualquer tipo de assédio. Toda e qualquer denúncia será investigada, nos termos da legislação em vigor, assegurado aos acusados amplo direito de defesa".

Diplomatas querem que o Itamaraty crie uma ouvidoria independente para receber denúncias e também uma corregedoria autônoma, para conduzir as investigações, afirmando que um diplomata, por depender de seus superiores para ser promovido, não seria isento.

A rigidez hierárquica do ministério faz com que muitos hesitem em denunciar eventuais abusos.

"É muito difícil denunciar porque, de acordo com as regras do ministério, dependemos da chefia para promoção e remoção [mudança de país]", diz a conselheira Christiane Aquino, coordenadora do Comitê para a Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência no Ministério das Relações Exteriores e integrante da comissão de prevenção ao assédio.

"Ao denunciar, o diplomata fica 'órfão' e pode não conseguir ser promovido."

Segundo o Itamaraty, contudo, sem denúncia formal é impossível abrir investigação.

O ministério afirma que, com a criação da comissão, haverá mais um canal para que as vítimas de assédio e discriminação formalizem suas denúncias.

O comitê de gestão de gênero do Itamaraty, que criou uma cartilha sobre assédio, propõe que todos os diplomatas passem por um treinamento especial para prevenir esse tipo de problema no serviço diplomático brasileiro.

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