Australianos veem com preocupação crescente influência da China no país
Ding Haitao - 25.out.2017/Xinhua | ||
O líder chinês, Xi Jinping, discursa no Palácio do Povo, em Pequim |
O livro já estava sendo promovido como uma denúncia explosiva da influência chinesa que vem infiltrando os mais altos níveis da política e mídia australianas. Mas então, faltando poucos meses para sua chegada às livrarias, a editora adiou o lançamento, dizendo-se preocupada com ações judiciais.
A decisão anunciada este mês de adiar o lançamento do livro em questão, "Silent Invasion: How China Is Turning Australia into a Puppet State" (Invasão silenciosa: como a China está convertendo a Austrália em Estado fantoche), desencadeou um furor nacional, destacando as tensões entre a crescente dependência econômica australiana da China e o medo da Austrália de ficar sob o controle político da superpotência asiática em ascensão.
Críticos traçaram paralelos a decisões tomadas este ano por editoras acadêmicas europeias de alto perfil de não disponibilizar para os leitores chineses artigos que possam desagradar ao Partido Comunista Chinês.
Mas o caso do livro tocou em um nervo especialmente sensível na Austrália, onde o adiamento da obra é apenas o mais recente em uma série de incidentes que vem levantando preocupações sobre o que muitos aqui vêem como sendo a ameaça chinesa à liberdade de expressão.
"A decisão anunciada pela editora Allen & Unwin de adiar a publicação deste livro vem quase comprovar o que é dito: que há um nível indevido de influência chinesa na Austrália", comentou o professor Rory Medcalf, diretor da faculdade de Segurança Nacional na Universidade Nacional Australiana. A Allen & Unwin é uma das maiores editoras do país.
No livro ainda inédito, o autor, Clive Hamilton, intelectual conhecido e professor na Universidade Charles Sturt, na Austraália, descreve o que considera ser uma campanha orquestrada por Pequim para influenciar a Austrália e calar os críticos da China.
Em um capítulo, segundo Hamilton, o livro afirma que jornalistas australianos respeitados foram levados à China em viagens de publicidade com o objetivo de "modificarem suas opiniões", para que começassem a apresentar a China sob ótica mais positiva.
Em outro capítulo, disse Hamilton, o livro detalha o que ele afirma serem vínculos entre cientistas australianos e pesquisadores em universidades militares chinesas, algo que, segundo o autor, levou a uma transferência de know-how científico ao Exército de Libertação do Povo.
O livro estava previsto para ser lançado em abril, e Hamilton já havia entregue o manuscrito à editora. Mas no dia 2 de novembro a Allen & Unwin, sediada em Sydney, o avisou inesperadamente que quer adiar o lançamento devido a questões legais.
Hamilton então pediu que a editora lhe devolva os direitos de publicação, na prática cancelando a publicação da obra pela Allen & Unwin. Ele diz que vai procurar outra editora.
O autor disse que a decisão da editora foi tomada por receio de provocar a ira de Pequim e que ela mostra a capacidade que a China tem de limitar as informações que podem ser acessadas pelos australianos. É exatamente o tipo de influência sobre o qual ele avisa em seu livro.
"Acredito que este seja o primeiro caso em que uma grande editora ocidental decidiu censurar material contendo críticas à China em seu país de origem", disse Hamilton em entrevista. "Muitas pessoas estão profundamente ofendidas com este ataque à liberdade de expressão. As pessoas consideram que um dos valores básicos que define a Austrália está sendo enfraquecido."
Em comunicado, a editora disse que decidiu adiar a publicação do livro, que seria a nona obra de Hamilton a sair pela empresa, "até que tenham sido decididas questões que estão sendo avaliadas pela Justiça no momento".
Ela não especificou quais seriam essas questões.
"Clive não quis adiar a publicação e pediu a devolução de seus direitos", diz o comunicado.
Mas Hamilton levou a público um e-mail que disse que lhe foi enviado em 8 de novembro pelo executivo-chefe da Allen & Unwin, Robert Gorman. O e-mail explicou a decisão de adiar o lançamento do livro: "Abril de 2018 seria muito cedo para que pudéssemos nos proteger contra potenciais ameaças ao livro e à empresa por possíveis ações de Pequim".
"Nosso advogado apontou por ataques legais recentes de agentes de influência de Pequim contra grandes organizações de mídia australianas", dizia o e-mail.
O teor do e-mail foi amplamente divulgado pela mídia australiana. A Allen & Unwin se negou a confirmar ou negar sua autenticidade. Robert Gorman não foi a público negar a autenticidade do e-mail.
Hamilton disse que a editora provavelmente estava aludindo a dois processos por difamação que estão correndo no momento, voltados contra duas empresas de mídia australianas: a emissora de televisão Australian Broadcasting Corporation e a editora de jornais Fairfax Media.
Uma das ações foi movida por Chau Chak Wing, empresário sino-australiano e grande doador político na Austrália. Chau está pedindo indenização por danos à Australian Broadcasting Corp. devido a uma reportagem de TV que teria prejudicado sua reputação pessoal e profissional.
A reportagem, que foi exibida dentro de um programa popular de notícias atuais, dizia que a Australian Security Intelligence Organization, a agência de espionagem do país, aconselhou os partidos políticos a não aceitarem contribuições de dois cidadãos de origem chinesa, um dos quais era Chau, devido a seus supostos vínculos com o governo chinês.
Chau diz há muito tempo que suas contribuições para campanhas eleitorais são inteiramente legais e não têm relação com o governo chinês.
A reportagem desencadeou uma discussão acalorada na Austrália sobre a vulnerabilidade de seu sistema político democrático a influências do exterior, especialmente da China.
A questão da ingerência chinesa é delicada para a Austrália, aliada dos EUA que abraçou Pequim como sua maior parceira comercial e acolheu investidores, imigrantes e estudantes chineses em grande número.
"O livro mostra de maneira detalhada que o problema da influência chinesa na Austrália é muito mais profundo do que pensávamos", disse Hamilton, autor prolífico que em 2009 recebeu a Ordem da Austrália, uma das maiores honras do país, por "serviços prestados ao debate público e ao desenvolvimento das políticas públicas". "Acho que alguns dos materiais que eu trouxe à tona foram um choque até mesmo para nossas agências de inteligência", ele comentou.
Tradução de CLARA ALLAIN
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