Rússia mira Egito em busca de maior influência no Oriente Médio

IGOR GIELOW
DE SÃO PAULO

Depois de mudar o rumo da guerra civil na Síria ao lado do aliado Irã e estabelecer parcerias complexas com Turquia e Arábia Saudita, a Rússia busca ampliar sua presença no Oriente Médio ao firmar uma nova cooperação com o Egito.

O premiê russo, Dmitri Medvedev, assinou nesta semana decreto autorizando negociações para que ambos os países possam utilizar e estacionar aeronaves militares em suas bases. Na prática, isso dá a Moscou acesso a operações no Norte da África.

Isso não acontecia desde que a União Soviética era aliada preferencial do regime nacionalista árabe egípcio nos anos 1950 e 1960, e aumenta o escopo da atuação do Kremlin na região após a intervenção no conflito sírio.

Se ainda não trouxe paz ao país, a ação salvou o regime do ditador Bashar al-Assad e ajudou a acabar com a base territorial do grupo terrorista Estado Islâmico, também atacado pelo Ocidente.

O foco inicial parece ser a tumultuada Líbia, em caos desde a derrubada do regime de Muammar Gaddafi em 2011. Desde o ano passado, o governo de Vladimir Putin vem cortejando o principal líder militar do país, Khalifa Haftar, que já foi a Moscou e é interlocutor do ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu.

Seu vizinho a leste, o Egito, se preocupa com o crescimento do Estado Islâmico em território líbio. O grupo já opera na região egípcia do Sinai, onde promoveu um massacre com mais de 300 mortos na semana passada.

Há poucos meses, a inteligência americana fez vazar que forças especiais russas estavam baseadas no Egito, perto da fronteira líbia. E desde 2014 ambos os países negociam armas, potencialmente de US$ 3,5 bilhões em favor do russos, que já conseguiram vender 46 helicópteros de ataque ideais para contrainsurgência.

Além da guerra contra terroristas, Putin quer reviver a projeção estratégica que os soviéticos tinham na região, contrapondo sua presença à dominância americana.

Enquanto em 2015 muitos previam um "Afeganistão para o Kremlin", como o então presidente americano Barack Obama, a Rússia conseguiu manter seu grau de engajamento restrito a ataques aéreos, deixando ação no solo para o Irã e seu títere libanês, o grupo Hizbullah.

O resultado foi a desarticulação do Estado Islâmico, a manutenção de Assad como ator na negociação por uma paz e o estabelecimento de uma base militar com forte poderio aéreo no país árabe.

Com isso, Putin ganhou cacife para negociações diversas, como o ora congelado conflito na Ucrânia.

Mas movimentos como a reaproximação com a Turquia visando o estabelecimento de um arranjo regional na Síria e o inédito namoro com a Arábia Saudita indicam interesses mais amplos.

O caso saudita é exemplar da delicada costura em curso, dado que a monarquia sunita é a maior adversária estratégica do Irã xiita, aliado de primeira hora de Moscou.

Com os EUA sob Donald Trump agindo de forma estrategicamente errática numa região que dominou desde o fim da Guerra Fria, Putin está ocupando vácuos.

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