África do Sul elege, de novo, o espírito de Mandela

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Quando ganhou a eleição que pôs fim ao apartheid na África do Sul, em 1994, perguntei a Nelson Mandela como ele faria para conter as ânsias dos negros que o tinham como um semideus e acreditavam que o fim da segregação lhes abriria as portas para, no mínimo, uma vida digna.

Mandela respondeu algo assim: quando o primeiro negro conseguir sua casa própria, seus vizinhos ficarão certos de que serão os próximos e esperarão em paz.

Uma aula de paciência e de sabedoria. De fato, a África do Sul é um dos poucos países africanos que, após libertar-se do domínio dos brancos, não sofreu conflitos raciais e até genocídios.

O espírito de Mandela continua forte, do que dá prova o resultado da eleição para a presidência do CNA (Congresso Nacional Africano), o partido de Mandela, no poder desde a sua eleição, há 23 anos. Presidir o CNA é, na prática, a garantir de se eleger presidente da República, no primeiro pleito seguinte.

Ganhou Cyril Ramaphosa, vice-presidente do partido, que preferiu não esperar que chegassem as casas para os negros: tornou-se um rico homem de negócios, depois de ter sido um dos negociadores para que se pusesse fim ao apartheid.

Ou seja, um moderado como Mandela, contraponto perfeito à sua adversária, Nkosazana Dlamini-Zuma, ex-mulher do atual presidente, Jacob Zuma, no poder desde 2007 no CNA e desde 2009 na Presidência da República.

Ao contrário de Mandela e sua pregação pela paciência, Dlamini-Zuma foi beligerante: "Os delegados ao congresso do partido precisam eleger líderes que usarão o CNA como um instrumento dos oprimidos para assegurar que eles possam entrar no coração da economia".

Bem que os negros precisam melhorar de vida: 80% da população é considerada pobre, no conjunto do país, mas, entre os negros, a pobreza chega a 90%.

Também o desemprego é um fenômeno majoritariamente de cor negra: chega a chocantes 28% e, entre os jovens, salta para siderais 55,9% —claro que afeta a maioria negra em maior proporção.

Que os delegados do CNA tenham preferido uma mensagem mais conciliadora, típica de Ramaphosa, tem um de dois significados: ou o partido acha que o eleito sabe o caminho para uma vida confortável e, como provável futuro presidente do país, está mais capacitado a ensiná-lo a seus concidadãos, ou os sul-africanos mantêm uma reserva da paciência que Mandela lhes ensinou.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.