Prefeito atacado por ultradireitista não recua em relação a refugiados

GRIFF WITTE
DO "WASHINGTON POST", EM ALTENA (ALEMANHA)

Instantes antes de um agressor tentar assassinar o prefeito desta pitoresca cidade ribeirinha nos montes Sauerland, no oeste da Alemanha, ele explicou a razão.

Disse que estava com sede, enquanto apertava uma faca de açougueiro contra a garganta do prefeito. Mas, em vez de ajudar outros alemães como ele, o prefeito tinha acolhido centenas de refugiados.

Quinze dias mais tarde, o ferimento no pescoço do prefeito Andreas Hollstein está quase fechado. Mas permanece um clima de choque profundo nesta comunidade estreitamente unida. E a discussão em torno da decisão do prefeito de fazer dessa cidade economicamente precária um exemplo alemão de aceitação e integração de asilados apenas ganhou força.

Desde que foi atacado, o prefeito mantém atitude de desafio. Diz que deve sua vida à reação rápida da família imigrante em cujo restaurante ele foi emboscado.

Sentado em seu gabinete, com vista para o imponente castelo do século 12 da cidade, Hollstein comentou que algumas pessoas podem não gostar de sua abordagem humanitária e que alguns elementos da extrema direita talvez estejam suficientemente enfurecidos para tentar matá-lo.

Mas ele disse que não se arrepende de ter aceito 450 candidatos a asilo, cem mais do que o número exigido segundo as regras alemãs para a distribuição dos mais de 1 milhão de refugiados que chegaram ao país em 2015 e 2016.

"Foi a coisa certa a fazer", disse Hollstein, que tem 54 anos mas aparenta menos. Uma cicatriz está se formando sob sua orelha esquerda, onde a lâmina penetrou em seu pescoço. "Eu faria a mesma coisa de novo amanhã."

Isso coloca o prefeito, filiado à União Democrata Cristã, o partido de centro-direita da chanceler Angela Merkel, fora de sintonia com o momento político atual na Europa.

Em todo o continente, políticos que receiam uma reação dos eleitores contrária aos migrantes que buscam um refúgio da guerra ou perseguição vêm endurecendo seu discurso e sua orientação.

Esta semana o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, propôs que, após dois anos de esforços malsucedidos, a obrigação de os países receberem refugiados acabe.

OUTROS ATAQUES

Se Hollstein está fora de sintonia com o clima político do momento, não é o caso do ataque que ele sofreu.

Dois anos atrás a principal candidata à prefeitura de Colônia, no oeste da Alemanhã, Henriette Reker, foi esfaqueada no pescoço enquanto fazia campanha. Ela ganharia a eleição dias mais tarde, enquanto ainda se recuperava no hospital. Segundo a polícia, a motivação de seu agressor foi a oposição à política pró-refugiados da candidata.

No ano passado, no Reino Unido, a deputada de 41 anos Jo Cox, defensora acirrada dos refugiados sírios, foi morta a facadas e tiros em seu distrito do norte da Inglaterra. Um extremista de direita que gritou "Grã-Bretanha em primeiro lugar!" enquanto a atacava foi condenado pelo crime.

Na terça-feira (12), promotores federais alemães acusaram um soldado de conspirar para assassinar políticos de alto escalão, incluindo o ministro da Justiça, e atribuir os crimes a refugiados.

A tendência crescente à violência se dá em meio a um discurso político cada vez mais tóxico e tolerante de medidas extremas contra refugiados e aqueles que os apoiam. O comentário é de Dierk Borstel, especialista na extrema direita na Universidade de Ciências e Artes Aplicadas de Dortmund.

"É um problema sério para os serviços de segurança. Antigamente a polícia tinha conhecimento das pessoas que tinham o potencial de ser violentas. Havia vigilância estreita", disse Borstel, cuja universidade fica a pouca distância de Altena.

"Mas o círculo de possíveis agressores cresceu, e pessoas que antes não suscitavam suspeitas vêm cometendo esses atos. Então é uma coisa muito difícil de controlar."

MORADOR

A polícia disse pouco até agora sobre o acusado do atentado contra Hollstein, exceto por seu primeiro nome, Werner. Mas moradores de Altena o descrevem como um habitante da cidade, uma pessoa de meia-idade geralmente solitária e que enfrentou dificuldades financeiras recentes.

Na noite do ataque, Hollstein parou para jantar no City Doener, um popular ponto de encontro onde alemães natos, imigrantes turcos, refugiados árabes e muitos outros comem sanduíches de espetinho de carne com legumes e molho apimentado.

Ele tinha acabado de fazer seu pedido quando um homem se aproximou e perguntou se ele era o prefeito.

"Sou, sim", respondeu Hollstein. "Por quê?"

Com isso, o homem tirou uma faca e avançou sobre ele, enquanto xingava o prefeito por ter acolhido "estrengeiros".

Em um instante, Ahmet Demir, 27, saiu de trás do balcão, onde estava preparando espetinhos, e tentou arrancar a faca da mão do agressor.

"Fiquei chocado", disse Demir, que vive na área desde que sua família emigrou da Turquia para a Alemanha, quando ele tinha 2 anos, e que há anos trabalha com seus pais no restaurante de sua família. "Nunca antes houve algo assim em Altena. Aqui não há crimes, não há brigas. É tranquilo, é seguro."

Em questão de segundos o pai de Demir, Abdullah, veio ajudá-lo. Sua mãe, Hayriye, correu para a delegacia de polícia, a pouca distância. Com a arma de um policial apontada para o agressor, este levou vários minutos até obedecer às ordens de largar a faca e soltar o prefeito.

"Percebi que era uma situação de vida ou morte", comentou Hollstein. "Tive sorte por os Demir estarem ali para me ajudar. Sem eles eu não teria tido chance."

APOIO

Na manhã seguinte, com o ferimento de 8 centímetros em sua garganta enfaixado, Hollstein estava de volta à sede da prefeitura, insistindo que não se deixaria intimidar. Disse que continuaria a fazer seu trabalho sem proteção policial e a levar adiante a estratégia intensiva de integração de refugiados que valeu à cidade um prêmio nacional.

Centenas de moradores de Altena se reuniram naquela noite para uma marcha à luz de velas. Angela Merkel condenou o ataque e telefonou ao prefeito para lhe desejar uma recuperação pronta. Ele recebeu cartões e e-mails de apoio de milhares de pessoas em todo o mundo, incluindo os prefeitos de Barcelona, Milão e Nova York.

Em meio a todas as mensagens, contudo, chegaram mais de cem cartas de um tipo com o qual Hollstein já se acostumou nos últimos anos.

"Pena que esse homem não conseguiu matar você", dizia uma das cartas. "Agora somos nós que o faremos."

Klaus Laatsch, representante local do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), disse que o ataque a Hollstein foi "péssimo", mas que entende a revolta que o motivou.

"Se você anda por Altena, vê que é um lugar triste", disse Laatsch, cujo partido tornou-se recentemente o primeiro da extrema direita a ser representado no Parlamento alemão em mais de meio século. "E o prefeito é o responsável por muitos dos problemas."

Como muitas cidades industriais pequenas e antes poderosas no país, Altena sofreu quando suas fábricas foram transferidas para fora. De 32 mil habitantes algumas décadas atrás, a população caiu para pouco mais de 17 mil hoje.

Quando migrantes do Oriente Médio, Ásia e África começaram a chegar à Europa em grande número, alguns anos atrás, Hollstein enxergou uma oportunidade: Altena tinha um excesso de unidades habitacionais que, de outro modo, teriam que ser demolidas.

A cidade tinha escolas prestes a serem fechadas por insuficiência de alunos. Tinha empregadores à procura de jovens trabalhadores para treinar.

NETO DE IMIGRANTES

Hollstein, cuja avó chegou a Altena durante a Segunda Guerra Mundial, fugindo de Kaliningrado em meio ao avanço das tropas soviéticas, disse que também considerou que a cidade tinha o imperativo humanitário de agir.

"Não podemos resolver os problemas de todo o mundo aqui na Europa", explicou. "Mas podemos fazer o que está ao nosso alcance, e para mim estava muito claro que podíamos fazer mais."

Além de receber um número de refugiados superior ao exigido, Altena se destaca por seus esforços intensivos para integrar os migrantes. Uma equipe de quatro pessoas na prefeitura ajuda a encaminhar os candidatos a asilo a empregos e a orientá-los pelos trâmites burocráticos oficiais, além de coordenar o trabalho de um grupo grande de voluntários.

Hoje em dia, porém, os refugiados estão precisando de muito menos ajuda que antes.

"Eles são independentes. São autossuficientes", comentou a voluntária Esther Szafranski, 50 anos. "As crianças já falam alemão muito bem e os adultos estão aprendendo."

Um dos refugiados é o afegão Nazeer Mohseni, 29, que fugiu de uma zona de conflito há mais de dois anos e passou seis meses viajando para chegar à Alemanha. Hoje ele já fala alemão, tem uma namorada alemã e, como estagiário do serviço de correios, percorre as ruas íngremes de Altena entregando correspondências.

"Saio às 9h carregado de cartas e pacotes. Todo o mundo me cumprimenta com um sorriso e um 'guten morgen'", disse Mohseni, que ostenta as cicatrizes de uma explosão de bomba à qual sobreviveu cinco anos atrás.

"Me sinto muito bem aqui. Há segurança. Mas quando vi o que aconteceu com o prefeito, pensei: 'Como isso pôde acontecer na Alemanha?'"

Tradução de CLARA ALLAIN

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