Governo russo anuncia força militar permanente no Mediterrâneo

IGOR GIELOW
DE SÃO PAULO

Igor Gielow
São Paulo

A Rússia anunciou que irá ampliar suas instalações navais na Síria, visando manter uma frota de pelo menos 11 navios de guerra baseada no leste do Mediterrâneo.

É a primeira vez que isso irá ocorrer de forma permanente desde o fim da Guerra Fria, num sinal do avanço do governo de Vladimir Putin no Oriente Médio —a intervenção russa na guerra civil síria, a partir de 2015, salvou o ditador Bashar al-Assad.

Crédito: Yoruk Isik - 7.abr.2017/Reuters A fragata Almirante Grigorovich navega pelo estreito de Bósforo, em Istambul, para chegar ao Mediterrâneo
A fragata Almirante Grigorovich navega pelo estreito de Bósforo, em Istambul, para chegar ao Mediterrâneo

A decisão foi tomada nesta semana, após o Parlamento aprovar a extensão do uso do porto de Tartus por mais 49 anos por forças russas.

Em 1971, o incipiente e ainda isolado governo do pai de Assad, Hafez, cedeu espaço na base para apoiar a então esquadra soviética no Mediterrâneo em troca de armas para lutar contra Israel.

Com a dissolução da União Soviética em 1991, a presença naval na região ficou restrita a uma depauperada força no mar Negro. A retomada do gasto militar sob Putin, e suas pretensões estratégicas, mudaram o quadro.

O ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, afirmou que a base será radicalmente renovada, podendo apoiar navios e submarinos nucleares. Hoje, Tartus só consegue receber um modelo maior por vez, como o cruzador da classe Kirov Pedro, o Grande.

Desde 2015, cerca de 15 navios russos operam no leste do Mediterrâneo, muitos deles oriundos da Frota do Mar Negro, mas alguns de longe, como o porta-aviões Almirante Kuznetsov (baseado em Severomorsk, no Ártico) e o cruzador Variag (Frota do Pacífico, em Vladivostok).

A Marinha russa participou do conflito sírio, disparando mísseis de cruzeiro de navios e submarinos, e lançando caças-bombardeiros.

Apesar da projeção inédita, ela não faz frente à presença ocidental na região, ainda que a inconstância americana nos últimos anos tenha aberto a porta para Putin, que mira uma maior associação também com o Egito.

A 6ª Frota dos EUA tem cerca de 40 navios por ali, incluindo um ou dois porta-aviões nucleares dependendo da situação. Há também forças britânicas e francesas. No auge da Guerra Fria, o Kremlin empatava o jogo, mas isso não está em cogitação agora.

Os militares russos, contudo, contam com sofisticados sistemas de defesa antiaérea no mar e na base aérea de Hmeimim, que também permanecerá em suas mãos. Ambas as instalações criam uma virtual zona de exclusão aérea na costa da província da Latakia, onde estão situadas.

A região é o centro da seita alauita, de Assad, o que eleva as especulações sobre uma eventual partilha da Síria —os russos garantiriam um Estado menor para o ditador aliado, nessa hipótese.

A ampliação do poderio naval ao sul da Turquia gera um incômodo estratégico para Ancara, que vem colaborando com Moscou para tentar solucionar o xadrez sírio.

Hoje os navios russos no mar Negro, sejam de guerra ou carregando hidrocarbonetos, têm de passar pelo estreito turco do Bósforo para chegar ao Mediterrâneo.

Agora, se vislumbra a possibilidade de o Kremlin ter forças nas duas pontas da rota vital, o que muda a configuração na hipótese de um confronto futuro na região.

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