Trabalhadores são protagonistas de protestos no Irã, diz pesquisador

Crédito: Ben Stansall/AFP Manifestantes da diáspora iraniana protestam contra regime na embaixada em Londres
Manifestantes da diáspora iraniana protestam contra regime na embaixada em Londres

DIOGO BERCITO
DE MADRI

Um fator-chave para a análise dos protestos no Irã não é a mensagem, mas a identidade dos mensageiros, diz o pesquisador americano-iraniano Esfandyar Batmanghelidj.

"Parece haver um consenso de que o principal grupo, e aquele que deu início às manifestações, é a classe trabalhadora", afirma. Nos protestos de 2009, quando milhões foram às ruas, era a classe média a engrossar as fileiras.

"É fácil nos determos no que está sendo dito, mas é importante sabermos quem é que está dizendo", diz Batmanghelidj, especialista em política, economia e história social iraniana.

Os atos começaram com uma agenda econômica (a taxa oficial de desemprego orbita em torno dos 12% e o poder de compra do cidadão comum é baixo), mas ela foi ampliada para contemplar slogans políticos. "Todo mundo está passando por um momento ruim, mas a porção mais afetada é a dos trabalhadores", afirma o pesquisador.

"Eles não enxergam nenhuma melhora em sua mobilidade social e não conseguem ascender à classe média, o que é sua aspiração."

Folha - Quem está protestando hoje no Irã?

Esfandyar Batmanghelidj - Parece haver um consenso de que o principal grupo, e aquele que deu início às manifestações, é a classe trabalhadora. Isso ajuda a explicar por que as pessoas foram às ruas em cidades mais pobres e menos proeminentes e por que os protestos se disseminaram tão rapidamente.

Todo mundo no Irã está passando por um momento economicamente ruim, mas a porção mais afetada é a dos trabalhadores, mais vulneráveis a questões como o desemprego juvenil. Eles não enxergam nenhuma melhora em sua mobilidade social e não conseguem ascender à classe média, o que é hoje sua aspiração.

Em seu trabalho, o sr. se refere à classe trabalhadora como o "homem esquecido". Por que e de que maneira essas pessoas foram esquecidas no Irã?

O Irã é um país de renda média, e a classe média é quem tem acesso às melhores oportunidades. As classes mais baixas contribuem à economia em setores-chave, como o automobilístico, mas não sentem que a sua contribuição seja reconhecida pelo governo, que promove políticas mais favoráveis à classe média. As reformas econômicas têm sido implementadas para estimular o investimento externo, mas não resolvem as agruras dos trabalhadores, o que é um problema antigo.

Se é antigo, por que veio à tona agora?

É difícil dizer. Mas o clima se tornou mais negativo no último ano, com a sensação de que o presidente americano, Donald Trump, está ameaçando o acordo nuclear travado em 2015 [apresentado pelo governo iraniano como uma oportunidade econômica]. A população identifica uma falta de habilidade por parte de sua liderança para lidar com a crise e vê as políticas econômicas como "mais do mesmo".

Nesse sentido, esses protestos diferem daqueles de 2009?

Os protestos de 2009 foram claramente de classe média e baseados quase exclusivamente em Teerã. São, portanto, pessoas diferentes, e isso é importante. É fácil nos determos no que está sendo dito, mas é importante sabermos quem está dizendo.

O sr. comparou em um texto recente as manifestações no Irã com os protestos contra o governo de Dilma Rousseff, no Brasil. Por que a menção?

Os protestos contra o governo de Dilma Rousseff duraram meses, levando multidões às ruas, mas a reação-padrão no exterior foi de enxergá-los como parte da dinâmica política do país. Não se falava que aquilo era uma revolução.

Já no Irã, tudo o que acontece é visto como uma revolução em potencial.

Esses protestos recentes podem se mostrar mesmo importantes, amplos e chegar à violência —mas ainda assim continuarem a ser normais e consistentes do ponto de vista econômico com um país como o Irã.

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