Intervenção militar estrangeira na Venezuela é proposta desesperada

Crédito: Rodrigo Abd/Associated Press Mural de Simón Bolívar aparece em linha de produção parada de siderúrgica estatizada na Venezuela
Mural de Simón Bolívar aparece em linha de produção parada de siderúrgica estatizada na Venezuela

XABIER COSCOJUELA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A ditadura não acaba com votos, mas é preciso votar do mesmo jeito. Essa frase está em uma mensagem publicada pelo economista Ricardo Hausmann em sua conta pessoal no microblog Twitter em agosto de 2017.

Entretanto, se nos ativermos ao que ele escreveu nesta semana no site Project Syndicate, é evidente que sua opinião mudou de forma radical e ele descartou definitivamente o voto, a ponto de expor como desejável uma intervenção militar estrangeira na Venezuela.

Seu artigo provocou muitas reações entre os venezuelanos e, estranhamente, nenhuma até agora do governo de Nicolás Maduro, nem dos dirigentes dos quatro partidos que participam das negociações com o governo na República Dominicana.

A proposta de Hausmann evidencia o desespero de uma parte dos venezuelanos diante do agravamento da situação econômica e social e do avanço do governo em implementar e aplicar suas decisões políticas, fechando espaços para a saída eleitoral que a oposição preconiza desde 2006.

DUAS VISÕES

Dentro da frente opositora coabitam duas formas de enfrentar Maduro, e cada uma conseguiu se sobrepor à outra momentaneamente: elas se resumem na via rápida e na via eleitoral.

Em 2014, o ex-prefeito Leopoldo López, o então prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma, e María Corina Machado, na época deputada, impuseram a chamada Saída, que terminou com mais de 40 mortos.

López e Ledezma acabaram presos, o que significou uma derrota política da via rápida para a saída do presidente, pois era evidente que pretendiam provocar um pronunciamento militar.

Em 2015, foi retomada a via eleitoral, e a Mesa de União Democrática (MUD), com uma aliança perfeita, conseguiu no final daquele ano conquistar dois terços da Assembleia Nacional, o que reforçou o caminho eleitoral como o ideal para acabar com o governo de Maduro.

No entanto, paradoxalmente, houve um erro de cálculo dos dirigentes de oposição, que começaram a contar com os ovos dentro da galinha e puseram suas aspirações particulares acima de uma estratégia comum para alcançar seu fim.

A desunião se materializou quando foram propostas quatro alternativas para desalojar Maduro de Miraflores [palácio do governo]: a renúncia, a revogação, uma Assembleia Constituinte e uma emenda constitucional que reduzisse seu mandato.

No fim das contas, a convocação de um referendo para revogar o mandato do presidente foi a alternativa que todos apoiaram e que o governo impediu, por meio do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e de vários tribunais.

Maduro também se negou a organizar as eleições para governadores, que deveriam ocorrer em 2016, o que levou uma parte importante dos venezuelanos a questionar novamente a opção eleitoral.

Esse fracasso político fez a MUD perder pontos, pois ficou sem resposta diante da suspensão da consulta popular. Ao mesmo tempo, participou de um diálogo ao qual chegou sem estratégia clara e sem acordo entre os principais partidos de oposição, gerando mais frustração entre seus eleitores.

PROTESTOS

Quando parecia que a calma se impunha no país, um erro de cálculo do governo Maduro fez com que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) tomasse a decisão de cassar as competências da Assembleia Nacional.

Isso serviu de fagulha para os protestos que ocorreram entre abril e agosto de 2017, quando morreram mais de 120 pessoas, mas que não impediram que se concretizasse a eleição da Assembleia Nacional Constituinte. Mais uma vez, o setor que apoia a via rápida tomou o controle das atuações da MUD.

A instalação e o funcionamento da Constituinte deixaram nas mãos do governo a iniciativa política. Essa instância convocou as eleições regionais, e a maioria da oposição decidiu participar sem explicar bem os motivos para a mudança de estratégia, nem fazer balanço do ocorrido nos quatro meses anteriores, quando afirmou a seus seguidores que a derrota do governo estava próxima.

A incoerência tem seu custo em todas as atividades da vida, e a política não é exceção. Pesquisas feitas depois dessa virada indicavam que mais de 60% dos venezuelanos rejeitavam a atuação da coalizão de oposição. A MUD tinha perdido boa parte de seu capital.

A consequência foi uma grande abstenção em zonas predominantemente de oposição, o que, somado a manipulações do CNE e à pressão para votar exercida pelo governo sobre boa parte dos que recebem algum tipo de benefício social, fez com que a oposição não ganhasse a maioria dos governos, como previam as mesmas pesquisas que refletiam o descrédito da MUD.

SEM ALTERNATIVAS?

Hoje, a maioria dos venezuelanos rejeita o governo de Nicolás Maduro, mas não vê uma alternativa clara para substituí-lo. Nenhum dos dirigentes políticos de oposição tem o capital necessário para enfrentar com êxito a eleição presidencial que deve se realizar neste ano. Por isso se procura um "outsider", mas até o momento ninguém decidiu assumir esse papel.

É a partir desse panorama que se deve ver a proposta de Hausmann. Não tenho dúvidas de que, no nível da opinião pública, essa proposta implica mais apoio popular ao governo. O nacionalismo é uma arma que o chavismo utiliza desde sempre e lhe rende frutos.

Considero-a uma alternativa totalmente inconveniente para o país. Uma possibilidade que só geraria mais anos de instabilidade para a Venezuela.

O sensato, o conveniente, é que as negociações que estão sendo realizadas na República Dominicana terminem com acordos nos quais se inclua a eleição presidencial com garantias de respeito à vontade popular ali expressada e que também se eliminem ou se imponham limites, muito precisos, à atuação da Assembleia Nacional Constituinte.

Não tenho nenhuma dúvida de que os que governam a Venezuela não são democratas, que utilizaram e utilizarão todas as alternativas ao seu alcance para manter-se no poder, sem importar a opinião da maioria dos venezuelanos, mas é preciso tirá-los do poder mediante o voto e constituir um governo de muita amplitude porque a crise nacional é das mais graves que a Venezuela teve em toda a sua história.

XABIER COSCOJUELA é diretor do jornal "Tal Cual", que faz oposição ao governo de Nicolás Maduro

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

Veja abaixo outras reações ao artigo de Ricardo Haussmann

"Além da impossibilidade de se concretizar, a ideia de uma solução militar é politicamente absurda e favorece os argumentos de Nicolás Maduro para continuar em seu caminho de radicalização. A crise política só se resolve mediante uma negociação apoiada pelas potências regionais que permita a realização de eleições justas
COLETTE CAPRILES
psicóloga social e professora de teoria política na Universidade Simón Bolívar

Os países latino-americanos são radicalmente opostos ao uso da força na região, justamente por terem passado a maior parte de suas existências lidando com intervenções estrangeiras. A pior coisa que se pode fazer é apoiar uma intervenção militar no país
MATIAS SPEKTOR
professor de relações internacionais da FGV e colunista da Folha

Todas as outras vias para resolver a crise venezuelana fracassaram. Fracassou a via eleitoral, fracassou a via dos protestos e está fracassando o diálogo, então é preciso pensar o impensável. Duvido que o Brasil, em especial o atual governo, seja tão atrevido a ponto de apoiar uma ideia tão pouco convencional
CLÓVIS ROSSI
colunista da Folha

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