Livro sobre Donald Trump desperta horror e ceticismo

Crédito: Charles Rex Arbogast - 5.jan.2018/Associated Press O livro "Fire and Fury", sobre Donald Trump, em livraria de Chicago; presidente tentou proibi-lo
O livro "Fire and Fury", sobre Donald Trump, em livraria de Chicago; presidente tentou proibi-lo

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

Há duas maneiras de ler o best-seller "Fire and Fury—Inside the Trump White House" (Fogo e Fúria—Por Dentro da Casa Branca de Trump), lançado na sexta-feira (5): com ceticismo ou com horror.

Pode-se encarar o livro como um clássico do jornalismo "mãe Dinah", em alusão à vidente que dizia ter a habilidade de ler pensamentos. Em 321 páginas, o autor, Michael Wolff, descreve elucubrações e sentimentos do presidente Donald Trump, seus familiares e assessores com uma onisciência que desafia a credulidade do leitor.

Wolff reproduz diálogos com a participação de Trump, embora admita ter passado apenas três horas com ele (e a Casa Branca afirme não terem sido mais que sete minutos ).

Apesar de ter ganho prêmios por suas colunas e escrever para revistas como a "New York" e a "Vanity Fair", Wolff tem um histórico de questionamentos sobre seus métodos de apuração. Em seu livro "Burn Rate", 12 fontes contestaram declarações atribuídas a elas.

A porta-voz da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, disse que o livro era "fantasia" e "fofoca de tabloide". A ex-vice-chefe de gabinete, Katie Walsh, e Tom Barrack, que coordenou a posse de Trump, contestaram declarações atribuídas a eles. Wolff afirma ter gravações e anotações que corroboram seu relato.

Se o leitor decidir que o livro pode ter algumas inconsistências, mas, no geral, é fiel aos fatos, só resta o horror.

A se crer no livro, o atual presidente dos EUA é um sujeito que costuma dizer o seguinte: uma das coisas que fazem a vida valer a pena é transar com as mulheres dos seus amigos. Para isso, diz o livro, ele arma ciladas.

Chama o amigo para um encontro e começa a conversar sobre a vida sexual dele com a mulher. "Você deve ter tido uma transa melhor do que com a sua mulher, né? Tem umas meninas chegando de Los Angeles. Podemos nos divertir com elas." Enquanto isso, a esposa do amigo incauto ouve a conversa, no viva-voz do telefone. Daí para a cama, seria um pulo.

Segundo o autor, muitos acham que Trump é semianalfabeto. Ele não lê nada, nem sequer folheia. Alguns acham que ele é disléxico e tem capacidade de compreensão e concentração limitada. Ele só assiste à televisão.

De acordo com o livro, todos ao seu redor acham que Trump não tem capacidade para ser presidente —a única coisa que ele quer na vida é ser famoso. O bilionário da mídia Rupert Murdoch, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, e o ex-chefe de gabinete, Reince Priebus, o chamavam de "idiota". O assessor econômico Gary Cohn teria dito que Trump é "burro como uma porta".

Wolff relata que Trump costuma criticar a aparência das pessoas: [o assessor de Segurança Nacional, H.R.] "McMaster parece um vendedor de cerveja", [o ex-estrategista Steve] "Bannon parece um sem-teto sem banho", [o ex-chefe de gabinete Reince] Priebus é um "anão".

Suas visões sobre política externa são "aleatórias e desinformadas". "Seus assessores não sabiam se ele era um isolacionista, militarista, ou se ele não sabia a diferença entre as duas coisas."

Líderes estrangeiros aprenderam que a chave para ganhar a simpatia de Trump e escapar de diatribes no Twitter é adular o presidente.

"Você é uma personalidade única, capaz de fazer o impossível", desmanchou-se Abdel Fattah al-Sisi, do Egito. Ao que Trump respondeu: "Amei seus sapatos".

Sua família não se sai melhor. Os filhos, Donald Jr. e Eric, eram chamados de Uday e Qusay pelas costas (em referência aos sanguinários filhos de Saddam Hussein ). O genro, Jared Kushner, é mimado e arrogante. A filha Ivanka é pouco brilhante.

No dia a dia na Casa Branca, Trump dava broncas nas faxineiras que recolhiam suas roupas do chão. "Se minha camisa está no chão, é porque eu a quero lá." Ninguém podia tocar na escova de dentes dele, já que Trump tem pânico de ser envenenado.

Isso sem mencionar a parte mais séria do livro, sobre a interferência da Rússia na eleição americana e as tentativas de obstruir investigações do FBI sobre o caso.

A principal linha de defesa de Trump é que ele nunca soube dos contatos entre o governo russo e sua campanha —ou seja, não houve conluio. Essa defesa cai por terra se o livro estiver correto.

"É nula a chance de Don Jr. não ter levado esse pessoal [a advogada russa que dizia ter um dossiê contra Hillary Clinton] até o escritório do pai dele", diz Bannon no livro.

Para quem acreditar na obra, é impossível não entrar em pânico pensando que esse homem tem capacidade de iniciar uma guerra nuclear.

Seja qual for a leitura do livro, a reação da Casa Branca foi a pior possível. Ao tentar impedir a publicação da obra, o presidente a promoveu.

Talvez Trump devesse deixar a TV de lado e assistir ao filme "The Post - A Guerra Secreta", que retrata a tentativa mal sucedida de Richard Nixon (1969-74) de bloquear a divulgação dos Papeis do Pentágono, documentos sobre o envolvimento dos EUA no Vietnã, que deu início à derrocada de seu governo.

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