Calça jeans 'fake news' é sinal dos nossos tempos

Crédito: Divulgação Calça jeans com as palavras 'fake news' lançada pela Topshop
Calça jeans com as palavras 'fake news' lançada pela loja britânica Topshop

VANESSA FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Desde a cerimônia de premiação do Globo de Ouro, no domingo, o que vestir em cerimônias de prêmios se tornou questão ainda mas complicada do que já costumava ser. Um belo vestido não é suficiente, agora: estamos falando de solidariedade, de declarar posições, e assim por diante.

No entanto, a solução para pelo menos um desses dilemas de etiqueta já está disponível. Ainda que a ocasião não envolva uma cerimônia oficial ou desfile de celebridades no tapete vermelho, qualquer pessoa que acredite estar na mira do prêmio Fake News do presidente Donald Trump, que deve ser anunciado em 17 de janeiro (depois de ver adiada sua data original, a segunda-feira passada), já conta com o traje perfeito. Ou pelo menos parte dele.

A cadeia de varejo britânica Topshop criou dois modelos de calça jeans em denim semi-stretch, com uma faixa vermelha na lateral da perna portando repetidamente a inscrição "fake news" em letras maiúsculas. Os jeans parecem tomar como referência a arte de Barbara Kruger. Basta combiná-los com o paletó de um smoking e sapatos de salto alto, em lugar das camisetas que os acompanham nos anúncios da Topshop, e pronto.

"A expressão 'fake news' [notícias falsas] se tornou tão onipresente no ano passado que acabou se tornando a palavra do ano, e por isso pensamos em imortalizar a frase que define o momento em dois dos nossos jeans", disse Mo Riach, diretor de design da Topshop, como explicação.

"Fake news" foi escolhida como palavra do ano de 2017 tanto pelo dicionário Collins de inglês quanto pela American Dialect Society, caso você não saiba.

O jeans, que custa US$ 90 (R$ 290) e vem em denim gentilmente desbotado, com cintura média e pernas retas, estava entre os mais procurados no site da marca na terça-feira; 30% das vendas se originavam dos Estados Unidos. Na quarta-feira (10), o estoque disponível estava esgotado.

Mas nem todo mundo curtiu a ideia, o que em seguida levou alguns a fazer comentários ranzinzas sobre os resmungos dos liberais.

Parte da questão, presumivelmente, é que a Topshop, embora conhecida por seus produtos contendo as palavras de ordem do momento (uma porta-voz diz que a empresa vendeu em média uma camiseta por minuto, de setembro para cá), não costuma assumir posições políticas, e por isso seus novo jeans parecem mais um sinal de adesão do que um apelo às armas em um momento cultural delicado.

Não faz diferença que você veja os jeans como caricatura ou como triunfo; a verdade é que roupas sempre foram um veículo popular para expressar posicionamentos políticos, e isso vem se provando cada vez mais verdadeiro no governo Trump. O presidente, afinal, adora "branding" de todos os tipos, é obcecado com imagens e mensagens visuais, e ama apelidos contendo aliterações; seu uso ocasionalmente confuso do idioma ("covfefe" [erro de Trump ao tentar digitar "coverage"] é um bom exemplo) acabou por se tornar parte do léxico nacional, de uma maneira que praticamente implora por uma caneca de café.

E a tendência vem ganhando força desde a campanha presidencial, que envolveu simbolismo e o uso da moda para transmitir mensagens políticas pelos dois lados: mulheres que optaram por usar terninhos ou o branco das sufragistas para expressar apoio a Hillary Clinton, e o boné de beisebol vermelho com a inscrição "faça a América grandiosa outra vez" serviu como símbolo da campanha de Trump. Este último acessório foi adaptado no ano passado pelo empreendedor Elon Musk, que criou bonés de beisebol pretos com a inscrição "Boring Company" [explorando o duplo sentido de "boring", que significa tanto tedioso quanto perfurar] a fim de promover sua iniciativa para a perfuração de túneis em Los Angeles.

As passarelas da moda também estão repletas de mensagens. A Dior lançou uma camiseta com os dizeres "todos deveríamos ser feministas", citando a palestra de Chimamanda Ngozi Adichie na conferência TED, e o desfile de Prabal Gurung teve um final repleto de lemas, com modelos usando camisas com frases como "sou imigrante" e "não serei silenciado".

No Globo de Ouro, Connie Britton usou uma camiseta com os dizeres "a pobreza é sexy" bordados no torso. Na metade do ano passado, Hillary Clinton posou com uma camiseta vendida para arrecadar fundos para a organização de controle da natalidade Planned Parenthood, citando a maneira pela qual Donald Trump a definiu em campanha: "Nasty Woman" [mulher repulsiva], o que praticamente se tornou uma causa em si e por si.

Tudo isso sugere que podemos nos queixar o quanto quisermos sobre a superficialidade de tratar essas questões via moda, mas isso não deixará de acontecer tão cedo; a tendência é que a prática avance e se torne moda ainda maior. Acabamos de avançar das camisetas e bonés para as calças. Todo o mundo do guarda-roupa está aberto a novas palavras de ordem!

Não vai demorar para que algum outro fabricante espertinho de jeans se inspire na Topshop e perceba que Trump recentemente nos ofereceu mais uma pérola verbal que pode facilmente ser adaptada para uso em roupa: Jêanio Muito Estável. Não dá até para imaginar?

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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