Há dois problemas fundamentais com "Macron por Macron", a compilação de entrevistas do presidente francês, Emmanuel Macron, que ganhou edição brasileira no último trimestre de 2017.
O primeiro é justamente o "timing". A obra saiu na França em março do ano passado, no fim da campanha que conduziria o ex-ministro da Economia e ex-acionista do banco Rothschild ao Eliseu.
Nesse contexto, fazia sentido reproduzir conversas de 2015 e 2016 para apresentar a formação intelectual do aspirante à Presidência e tecer uma espécie de cronologia de seu despertar político —ao qual se sucedeu um itinerário sui generis, longe da progressão habitual 1) eleição municipal/regional; 2) mandato(s) de deputado ou senador; 3) corrida presidencial.
Passado mais de um semestre desde a posse de Macron, em que medida interessa ao leitor brasileiro revisitar o jogo de cena do então candidato hipotético, fazendo mistério sobre as condições que definiriam seu ingresso na disputa pela sucessão de François Hollande?
Não se trata de questionar o valor do registro histórico nem de se deixar levar por um frenesi da novidade, mas, dado o tempo transcorrido, talvez fosse interessante haver na edição brasileira um apêndice ou posfácio (outra entrevista?) que flagrasse o choque de realidade após os primeiros percalços na função.
Isso nos conduz ao segundo problema do volume: exímio orador, o então postulante à Presidência, jovem prodígio conhecido pela vaidade intelectual, sobe à tribuna oferecida por seus entrevistadores mais como pensador da política do que como o homem de ações que promete ser.
O resultado é uma sucessão de proposições vagas, etéreas, um apanhado de grandes princípios norteadores que não dá muitas pistas sobre os termos e a viabilidade da revolução que ele prometia operar se eleito. Diante disso, a tarefa de conferir concretude ao beletrismo macronista acaba cabendo ao organizador da obra, Éric Fottorino, ex-diretor de Redação do diário "Le Monde", em um texto em que interpreta discursos do então candidato.
Apesar do ranço anacrônico e de não conseguir dar materialidade às elucubrações ideológicas do agora mandatário, o conjunto de entrevistas delineia alguns aspectos de sua persona política já salientes nos primeiros meses de seu quinquênio no Eliseu.
A certa altura, ele diz identificar na forma atual da democracia certa ausência —no caso francês, a do rei. Adiante, observa que, para sair do imobilismo que vê como um dos flagelos da sociedade francesa, é preciso, mantendo o equilíbrio deliberativo, "aceitar um pouco mais de verticalidade". Um elogio velado à autoridade e ao personalismo, traços que a imprensa local associou ao "presidente jupiteriano".
Liberal convicto, Macron defende a iniciativa pessoal e o risco, mas reconhece o Estado como pedra fundamental da nação a que se dirige. Canta os louros de uma Europa mais coesa, quiçá com Exército supranacional e alinhamento fiscal —sem ignorar a janela de oportunidade oferecida pelos quiproquós domésticos que consomem sua homóloga (e concorrente) alemã, Angela Merkel.
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Resta a saber se será capaz de ilustrar o que o filósofo Tzvetan Todorov (lembrado por Fottorino) ponderou: "As palavras são os acontecimentos, porque elas os criam".
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