Ativista adolescente vira símbolo palestino contra soldados de Israel

DANIELA KRESCH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE TEL AVIV (ISRAEL)

Ela tem cabelos louros encaracolados e esvoaçantes e olhos verde-piscina. É famosa local e internacionalmente. Mas a jovem que fará 17 anos em 31 de janeiro não se tornou conhecida por ser cantora, atriz ou blogueira.

A palestina Ahed Tamimi alcançou status de celebridade por enfrentar sistematicamente soldados israelenses na Cisjordânia frente a câmeras desde os 11 anos.

Para os palestinos, é uma corajosa heroína, apelidada de "Shirley Temper", jogo de palavras entre Shirley Temple, a atriz-mirim americana dos anos 1930 que também tinha cachos dourados, e a palavra "temperamento".

Crédito: Ammar Awad - 1º.jan.2018/Reuters Ahed Tamimi ao lado de guardas israelenses em um tribunal militar próximo à Cisjordânia
Ahed Tamimi ao lado de guardas israelenses em um tribunal militar próximo à Cisjordânia

Ahed é celebrada em canções, grafites e documentários por suas expressões e gestos de raiva diante dos soldados. Personificaria, para muitos, a resistência dos jovens palestinos contra a ocupação israelense da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental. Já foi condecorada pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e recebe declarações de amor em redes sociais.

Para os israelenses, no entanto, é uma menina provocadora, manipulada por pais e políticos irresponsáveis, que a colocam em perigo ao enviá-la, sempre com câmeras por perto, para irritar militares israelenses —alguns deles apenas um pouco mais velhos do que ela.

Uma legítima representante do que muitos chamam de "Pallywood" —a indústria de "fake news" palestina, que inclui vídeos e fotos exageradas, simuladas ou falsas sobre a situação na Palestina.

A fama da bela adolescente explodiu há cerca de um mês, quando Ahed Tamimi foi filmada em mais um enfrentamento contra soldados no vilarejo de Nabi Saleh, nos arredores de Ramallah, na Cisjordânia, horas depois de seu primo, Muhammad, ser ferido no rosto por uma bala de borracha durante um protesto contra Israel.

Nas imagens, ela aparece -junto com a mãe e uma prima- provocando com gritos e punhos cerrados dois soldados que faziam guarda no jardim da família Tamimi.

"Saia daqui ou vou te dar um soco!", gritava. Ahed chegou a dar um tapa no rosto de um dos militares. Os soldados não reagiram.

"Nossa força está em nossas pedras! Eles têm que ser responsabilizados por todas as reações que tenhamos, de atentados a facas, atentados suicidas ou lançamento de pedras. Todos precisam fazer algo e se suicidar por nossa causa!", diz Ahed para a câmera.

"Quem quer que se comporte com selvageria durante o dia será preso de noite", reagiu o ministro da Defesa, Avigdor Lieberman, diante da repercussão do vídeo. "Não só jovens e seus parentes, mas outros envolvidos."

Foi o que aconteceu. Ahed, a mãe e a prima foram detidas duas noites depois —a prima já foi liberada.

O vídeo da prisão noturna também viralizou e levou a abaixo-assinados pela libertação de Ahed Tamimi, que acabou indiciada por esse e outros cinco incidentes anteriores. Ela é acusada ainda de lançar pedras contra forças de segurança, incitar a violência e violar a lei e a ordem.

"O indiciamento é exagerado", disse à Folha a advogada de Ahed, a israelense Gaby Lasky.

"Ele não mostra o outro lado, como se o comportamento dela acontecesse em um ambiente estéril, sem levar em consideração a situação como um todo."

HEROÍNA

Ahed Tamimi entrou para o panteão palestino do heroísmo aos 11 anos, quando, pela primeira vez, foi filmada atiçando soldados israelenses. No vídeo, a menina aparece com uma camiseta com a palavra "amor" berrando contra soldados com os punhos em riste, como se fosse socar o rosto deles.

Pelo menos dois membros da família Tamimi se envolveram com o terrorismo: Nizar (primo do pai), foi condenado pelo assassinato de um civil israelense em 1993, e sua mulher, Ahlam, participou do atentado contra a pizzaria Sbarro, em Jerusalém, em 2001, no qual morreram 16 pessoas. Além disso, dois tios de Ahed morreram em confrontos com soldados israelenses na última década.

"A participação de crianças em ações de nosso movimento nacional é crucial para desenvolver a autoconfiança delas e fortalecê-las frente aos obstáculos que enfrentarão", disse o pai, Bassem Tamimi, um conhecido ativista e ex-preso político, em um documentário produzido em fevereiro de 2017 pela ONG Friends of Sabeel.

No lado israelense, acredita-se que Ahed Tamimi seja usada como propaganda contra Israel por meio de provocações criadas para serem registradas em vídeo.

ONGs pró-palestinos costumam distribuir câmeras à população local, explorando o fato de que militares fardados serão sempre vistos como vilões em confrontos com civis, mesmo que atuem corretamente e que um conflito tão complexo tenha nuances.

"Uma das principais armas dos palestinos, hoje, são as câmeras. Os soldados estão cada vez mais conscientes disso. Sabem que, em algum lugar, alguma câmera está apontada para eles", disse à Folha um militar israelense que pediu para não ser identificado.

Um exemplo de efeito das filmagens foi o caso do soldado Elor Azariá, flagrado matando um palestino que havia cometido um atentado, mas já neutralizado.

Azariá alegou ter se sentido ameaçado pelo agressor, mas as imagens mostraram que o palestino estava no chão, ferido. O soldado foi julgado e condenado a 18 meses de prisão.

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