Forças Armadas dos EUA se preparam para guerra contra Coreia do Norte

HELENE COOPER
ERIC SCHMITT
THOMAS GIBBONS NEFF
JOHN ISMAY
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

Oficiais e soldados das Forças Armadas americanas estão se preparando discretamente para uma guerra que esperam jamais aconteça.

Em Fort Bragg, na Carolina do Norte, 48 helicópteros de ataque Apache e de carga Chinook participaram no mês passado de um exercício que simulava o transporte de tropas e equipamento a alvos de assalto, sob fogo real de artilharia.

Dois dias mais tarde, nos céus sobre o Estado do Nevada, 119 soldados da 82ª Divisão Aeroterrestre do Exército saltaram de aviões de transporte militar C-117 na escuridão, em um exercício que simulava a invasão de outro país.

Nos próximos 30 dias, em bases do Exército espalhadas pelo território dos EUA, mais de mil soldados da reserva praticarão para estabelecer centrais de mobilização, com o objetivo de transferir tropas ao exterior em regime de urgência.

E a partir do mês que vem, com a Olimpíada de Inverno de Pyeongchang, na Coreia do Sul, o Pentágono planeja enviar mais unidades de forças especiais à península coreana, como passo inicial para o que alguns funcionários do governo descreveram como futura formação de uma força-tarefa para operações na península coreana, com funções semelhantes às que operam no Iraque e na Síria. Outros funcionários disseram que esse esforço tem por objetivo o combate ao terrorismo.

No mundo das Forças Armadas, no qual estar preparado para contingências é um lema que todo oficial aprende a seguir, as manobras recentes ostensivamente são vistas como parte dos programas padrão de treinamento e de rotação de pessoal do Departamento de Defesa. Mas o escopo e o momento dos exercícios sugerem foco renovado em preparar as Forças Armadas do país para aquilo que pode estar no horizonte com relação à Coreia do Norte.

O secretário da defesa, Jim Mattis, e o general Joseph Dunford Jr., chefe do Estado-Maior Conjunto, defendem vigorosamente o uso da diplomacia para combater as ambições nucleares de Pyongyang. Uma guerra com a Coreia do Norte, disse Mattis em agosto, seria "catastrófica".

Ainda assim, duas dúzias de antigos e atuais funcionários do Pentágono e líderes das Forças Armadas disseram em entrevistas que os exercícios eram a resposta das forças armadas às ordens de Mattis e dos líderes de cada uma delas, colocando-as de prontidão para possível ação militar na península coreana.

As palavras do presidente Donald Trump convenceram líderes importantes militares e soldados comuns de que eles precisam acelerar seu planejamento de contingência.

Na mais incendiária de suas declarações, em um discurso em setembro nas Nações Unidas, Trump prometeu "destruir totalmente a Coreia do Norte" se ela ameaçasse os EUA, e zombou do líder do país, Kim Jong-un, chamando-o de "Rocket Man" [homem-foguete].

Em resposta, Kim declarou que recorreria "ao nível mais elevado de contramedidas linha dura da História", contra os EUA, e descreveu Trump como "um velhote americano com problemas mentais".

A retórica de Trump se abrandou, depois de um novo esforço de aproximação diplomática entre Seul e Pyongyang. Em entrevista ao "Wall Street Journal" na semana passada, Trump teria declarado que "eu provavelmente tenho um bom relacionamento com Kim Jong-un", apesar das trocas públicas de insultos.

Mas o presidente declarou no domingo que o jornal o havia citado incorretamente e que ele havia dito que "eu provavelmente teria" um bom relacionamento com o líder norte-coreano se assim desejasse.

Um alarme falso no Havaí, domingo, que causou pânico por cerca de 40 minutos depois que um funcionário dos serviços de emergência do Estado enviou por engano uma mensagem de texto sobre um ataque iminente por mísseis balísticos, expôs a ansiedade dos americanos quanto à Coreia do Norte.

UMA MISSÃO CONVENCIONAL

Depois de 16 anos combatendo insurgentes no Iraque, Afeganistão e Síria, os generais que comandam as Forças Armadas americanas se preocupam com a possibilidade de que as unidades do país estejam mais preparadas para combater insurgentes e facções irregulares do que para sua missão convencional de enfrentar potências terrestres pesadamente fortificadas e dotadas de Forças Armadas e defesas antiaéreas poderosas.

O exercício em Fort Bragg foi parte de uma das maiores manobras de assalto aéreo dos últimos anos. O treinamento na base Nellis da força aérea, em Nevada, usou o dobro do número de aviões de carga para transportar paraquedistas do que vinha sendo o padrão em exercícios anteriores.

O exercício da reserva do Exército planejado para o mês que vem reativará os centros de mobilização que estão em larga medida adormecidos desde que as guerras do Iraque e Afeganistão se encerraram.

E embora as Forças Armadas nos últimos anos tenham enviado unidades de forças especiais a grandes eventos internacionais como a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, os efetivos dessas unidades em geral eram inferiores a 100 soldados - um total muito inferior ao que deve ser enviado à Coreia do Sul, de acordo com alguns funcionários americanos. Já outros negam planos para o envio de forças mais substanciais.

Em uma reunião com agenda aberta em seu quartel-general, em 2 de janeiro, o general Tony Thomas, do Comando de Operações Especiais dos EUA, em Tampa, Flórida, alertou os 200 civis e militares da audiência de que seria necessário transferir pessoal de forças especiais do Oriente Médio para o teatro coreano, em maio ou no começo de junho, se a escalada das tensões continuar.

O capitão Jason Salata, porta-voz do general Thomas, confirmou o relato que um dos participantes da reunião fez ao "New York Times", mas acrescentou que Thomas havia deixado claro que nenhuma decisão a respeito havia sido tomada até aquele momento.

Em diversas reuniões recentes no Pentágono, o chefe de Estado-Maior do Exército, general Mark Milley, mencionou dois desastres militares americanos para ilustrar o que pode acontecer quando os preparativos são insuficientes.

Oficiais das Forças Armadas dizem que Milley mencionou a malfadada batalha do Passo de Kasserine, na Segunda Guerra Mundial, quando unidades americanas despreparadas foram apanhadas de surpresa e sofreram pesadas baixas em um ataque comandado pelo marechal de campo alemão Erwin Rommel.

Milley também mencionou a Força-Tarefa Smith, uma unidade militar fraca e subequipada que foi praticamente destruída pelos coreanos quando os EUA intervieram na Guerra da Coreia, em 1950.

Milley vem comparando em reunião após reunião essas duas derrotas americanas ao que ele adverte poderia acontecer se as forças armadas não estiverem preparadas para uma guerra com a Coreia do Norte.

Ele instou os principais líderes do Exército a que preparem suas unidades, e expressou preocupação quanto à perda do que definiu como "memória muscular" quanto ao que seria necessário para uma guerra terrestre de grande porte, contra um adversário capaz de empregar defesas antiaéreas sofisticadas, tanques, infantaria, poder naval e até mesmo armas cibernéticas em combate.

Alguns funcionários da Casa Branca argumentaram que um ataque limitado e dirigido poderia ser lançado com repercussões mínimas, se alguma, para a Coreia do Sul —premissa que Mattis encara com ceticismo, de acordo com pessoas informadas sobre suas opiniões.

Mas para Mattis, o planejamento serve para aplacar Trump. Na prática, dizem analistas, isso informa ao presidente que o Pentágono encara a ameaça com seriedade, e protege Mattis contra acusações de que ele não está alinhado com o presidente.

"O papel das Forças Armadas é estarem completamente preparadas para quaisquer contingências", disse Michèle Flournoy, que foi dirigente do Pentágono no governo Obama e é cofundadora da WestExec Advisors, uma consultoria estratégica em Washington.

"Mesmo que não haja decisão sobre a Coreia do Norte e não haja ordens a respeito", disse Flournoy, "a necessidade de que as Forças Armadas estejam prontas para contingências, como esperam o presidente e sua equipe de segurança nacional, será motivação suficiente para que os comandantes aproveitem a oportunidade que os exercícios pré-planejados oferecem para reforçar sua preparação, caso isso se prove necessário".

OPERAÇÃO PANTHER BLADE

Um exemplo foi o exercício da 82ª Divisão Aeroterrestre no Nevada, no mês passado, quando soldados praticaram movimentos de paraquedistas via helicóptero e transportaram artilharia, combustível e munição para a retaguarda profunda daquilo que havia sido designado como linha de frente inimiga. O objetivo da manobra era forçar o inimigo a combater em diversas frentes, no começo de um conflito.

Funcionários do setor de defesa disseram que a manobra treinada no exercício, chamado Panther Blade, podia ser usada em qualquer lugar, não só na península coreana.

"O objetivo da Operação Panther Blade é promover a prontidão mundial", disse o tenente-coronel Joe Buccino, oficial de relações públicas da 82ª Divisão Aeroterrestre. "Um assalto aéreo e ataque profundo nessa escala são muito complexos e requerem sincronização dinâmica de ativos, no tempo e no espaço."

Outro exercício, chamado Bronze Ram, está sendo coordenado pelo misterioso Comando Conjunto de Operações Especiais, disseram os funcionários, e se assemelha a outros cenários de treinamento que espelham acontecimentos atuais.

O exercício deste ano, um dentre muitos que se concentram em ameaças em todas as partes do mundo, terá por foco operações clandestinas e envolverá operar em ambientes quimicamente contaminados, como os que podem ser encontrados na Coreia do Norte.

Outro dos aspectos do exercício será a missão do Comando de Operações Especiais de atacar as armas de destruição em massa dos potenciais inimigos.

Além do Bronze Ram, outros exercícios sigilosos de operações especiais americanos, com cenários como a captura de armas nucleares ativas ou a realização de saltos clandestinos de paraquedas, vêm refletindo contingências associadas à Coreia do Norte, nos últimos meses, disseram autoridades militares, sem oferecer outros detalhes devido ao sigilo operacional.

Bombardeiros B-1 da Força Aérea, decolando de Guam, têm sido vistos regularmente sobre a península coreana, em meio à escalada das tensões com Pyongyang –conduzindo voos regulares de treinamento em companhia de jatos de caça japoneses e sul-coreanos, o que costuma despertar a ira da Coreia do Norte.

Bombardeiros B-52 baseados na Louisiana devem reforçar os B-1 estacionados em Guam, este mês, ampliando o poderio de ataque aéreo de longo alcance.

Funcionários do Pentágono informaram na semana passada que três bombardeiros B-2 e seus tripulantes chegaram a Guam, de sua base em Missouri.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Crédito: Editoria de Arte/Folhapress MEU BOTÃO É MAIOR QUE O SEUArsenais atômicos dos países,em número estimado de ogivas
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