SILAS MARTÍ
DE NOVA YORK

"Um muro grande, gordo e belo." A visão do presidente americano, Donald Trump, para a barreira que sonha em construir na fronteira dos EUA com o México parece se tornar mais hiperbólica e obsessiva sempre que duvidam das suas intenções.

Exatamente um ano após a posse do republicano, aquela que foi sua maior promessa de campanha volta ao centro do debate político a cada negociação mais delicada em Washington, como a briga ao longo desta semana em torno do Orçamento estatal.

Na opinião de analistas políticos, Trump quer um obstáculo na fronteira mas também precisa dele mais do que nunca para não perder o apoio de seus eleitores mais fervorosos, tanto que corre o risco de deixar essa fixação pelo tema corroer uma administração já bastante frágil.

"Trump é visual, e o muro é seu símbolo máximo", diz Andrew Selee, presidente do Migration Policy Institute, um centro de estudos de Washington. "Isso não tem a ver só com os mexicanos. É a poderosa marca visual que Trump vendeu para sua base como defesa da América contra as ameaças de um mundo hostil, entre elas drogas e terrorismo."

Dados, no entanto, desmontam a tese de que todo o mal vem da fronteira. O número de pessoas detidas tentando entrar no território americano por ali —foram 304 mil prisões no ano passado— caiu quase pela metade no primeiro ano de mandato de Trump e está entre os menores vistos em quase cinco décadas.

Uma série de analistas, alguns deles da equipe do presidente, também afirmam que uma barreira física não é a forma mais eficaz de policiar a fronteira, mas o presidente insiste na construção do muro, que pode custar mais de R$ 60 bilhões, como maior legado de sua visão linha-dura na Casa Branca.

"É um monumento racista que desvia a atenção do debate político", analisa Manuel Shvatzberg Carrió, professor de arquitetura da Universidade Columbia, em Nova York. "Ele segue seu instinto plutocrático para criar um objeto grande e brilhante. É simbólico, mas o racismo por trás disso é muito real, cínico, violento e sinistro."

RETÓRICA

Os comentários vulgares do presidente, que chamou nações da América Central e da África de "países de merda" em plena negociação da reforma das leis de imigração, ainda reforçaram essa visão de Trump como um racista, dando munição a detratores da oposição e também de seu próprio partido.

Mas o presidente, que nega ter preconceito racial, tenta neutralizar mais um incêndio retórico voltando a insistir na construção da barreira.

Quando soube que seu chefe de gabinete, John Kelly, disse a parlamentares que ele não estava "bem informado" quando pensou no projeto e que sua visão do assunto havia "evoluído", Trump foi rápido ao tuitar que "o muro é o muro" e que ele "nunca mudou desde que eu o concebi".

Nesse ponto, o presidente apela para outro pilar de seu marketing pessoal, sua imagem de "ícone imobiliário", nas palavras de David Bier, analista do Cato Institute, outro centro de Washington.

"Uma muralha na fronteira sem dúvida é um símbolo forte e uma imagem útil para o presidente que sempre se apresentou como um construtor, alguém capaz de construir algo grande e belo", afirma Bier.

"Existe agora um impulso político tão grande por trás disso que nem ele mesmo tem como frear a ideia do muro."

Nem ele nem sua equipe, como deixou claro a rusga com o seu chefe de gabinete.

Nesse sentido, o muro na fronteira acaba ofuscando medidas mais urgentes e atravancando outras reformas na agenda das duas pontas do espectro ideológico no país, entre elas o debate em torno do sistema de saúde, a questão dos sonhadores, os ilegais trazidos ainda crianças para os EUA, e o orçamento apertado do governo.

"O muro é um desserviço ao povo americano, mas há gente na administração que ficaria feliz em deixar ele construir um pedaço de muro para avançar outras pautas", diz Kevin Appleby, do Center for Migration Studies, um "think tank" de Nova York.

"Se ele construir uma parte de seu muro, já vai cantar vitória. No longo prazo, isso não resolve nada, mas é o que seus eleitores enxergam como a bala de prata para resolver a questão da imigração."

PROMESSAS

Enquanto o muro não sai do papel, Donald Trump vem cumprindo quase todas as suas promessas de campanha para reduzir a imigração —legal e ilegal— para os EUA.

Ele decretou o fim do programa de Barack Obama que protegia imigrantes ilegais trazidos ao país ainda crianças, reduziu o teto de refugiados para o nível mais baixo desde os anos 1980, aumentou as deportações e orientou a agência que monitora a imigração a realizar blitz em empresas para identificar trabalhadores ilegais.

Um estudo do centro Migration Policy Institute, revela que, no que dependeu só do Executivo, Trump fez tudo o que prometeu em sua campanha em questões de imigração.

Ele só não avançou nos pontos que precisam ser aprovados pelo Congresso, como a redução da imigração legal e o fim do sistema de loteria dos chamados vistos da diversidade. Trump também sofreu reveses na Justiça ao tentar vetar a entrada nos EUA de cidadãos de certos países de maioria muçulmana.

"Não seria justo exigir de um presidente o cumprimento de todas as promessas no primeiro ano de mandato, mas ele seguiu à risca o que disse que faria na imigração", afirma Sarah Pierce, uma das autoras do estudo.

OBAMA

O ex-presidente democrata Barack Obama usou todo o capital político de seu primeiro ano no cargo em sua bandeira de campanha, reformar o sistema de saúde. Obteve uma versão diluída da cobertura universal.

Outros temas ficaram aquém: em segurança, vetou a tortura em interrogatório, mas não fechou Guantánamo.

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