População não se vê representada por mídia tradicional, diz russa em Davos

Crédito: Laurent Gillieron/Keystone/Associated Press
O fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, fala sobre 'fake news' no Fórum Econômico Mundial, em Davos

DE SÃO PAULO

O impacto das "fake news" —notícias falsas— na política e na sociedade contemporânea rendeu um debate acalorado no Fórum Econômico Mundial, em Davos, nesta quarta-feira (24).

Foram frequentes as discordâncias entre o secretário de Redação do jornal "The New York Times" Joseph Kahn e a vice-editora-chefe da rede Russia Today, Anna Belkina.

"Uma grande parte da população dos Estados Unidos e da Europa se sentiram pouco representadas por seus veículos de mídia e buscaram alternativas, o que é legítimo", afirmou Belkina.

Kahn, no entanto, analisou esse movimento como uma busca do público "por informações que comprovem suas visões". "O New York Times, a BBC e outros não estão dispostos a oferecer informações que comprovem suas posições [do público]. Eles estão dispostos a oferecer jornalismo."

"[O público] Eles não encontram isso na mídia tradicional e buscam alternativas. Mas não é nossa tarefa fornecer notícias falsas para eles", declarou Kahn.

Segundo a representante da Russia Today, a rede é acusada "falsamente" de disseminar notícias falsas e de agir como veículo de propaganda do líder russo, Vladimir Putin.

"A campanha do [presidente francês Emmanuel] Macron espalhou isso repetidamente durante a eleição na França, mas não conseguiu dar um único exemplo de história falsa que publicamos", afirmou Belkina.

Ela também citou a ligação da BBC, emissora pública, com o governo britânico, mas a moderadora do debate, a apresentadora da BBC Zeinab Badawi, rebateu. "Não há comparação. A BBC regularmente faz reportagens que criticam o governo britânico."

INVASÃO DO IRAQUE

Outro momento de divergência foi protagonizado por Kahn e o político paquistanês Bilawal Bhutto, filho da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto e líder de um partido de centro-esquerda.

Bhutto questionou a veracidade das reportagens sobre a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003, com base na justificativa apresentada pelo governo George W. Bush de que o ditador Saddam Hussein tinha um arsenal de armas de destruição em massa —que nunca foram encontradas. "Como o 'New York Times' e a BBC reportaram o caso das armas de destruição em massa no Iraque? Foi uma completa ficção."

"Não queremos que saiamos daqui com a noção de que o caso das armas de destruição em massa no Iraque era um bom exemplo de notícia falsa. É um exemplo de política mentirosa e ruim. Mas eles [repórteres] não sabiam que era ficção no momento em que reportaram. O processo jornalístico de escrever sobre as armas de destruição em massa não foi um processo de escrever notícias falsas", rebateu Kahn.

O modelo de negócio na área de mídia também foi abordado pelos debatedores. O fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, destacou o crescimento no número de assinantes digitais do "New York Times" como um "bom sinal". "O público percebeu que precisa pagar pelo bom jornalismo."

Wales aproveitou para argumentar que o modelo baseado na publicidade precisa ser revisto na esfera digital. "Hoje os anúncios podem estar em qualquer lugar. Os anúncios como chave desse modelo precisam ser revistos."

REDES SOCIAIS

Em outro ponto sensível, foi discutido o papel de grandes plataformas como Google, Facebook e Twitter na propagação de notícias falsas, e se eles estariam assumindo o papel de publishers de conteúdo.

Para o fundador da Wikipedia, "eles são apenas plataformas". "Se quero compartilhar algo com um amigo via Facebook, não acho justo responsabilizar o Facebook por aquele conteúdo."

Para o secretário de Redação do "NYT", "o Facebook está no meio de um dilema". "Eles estão determinados a não ser reclassificados como publisher, seria uma responsabilidade muito grande para uma rede de 2 bilhões de pessoas. Teriam de contratar todo ser humano disponível para assegurar que o conteúdo cumprisse os padrões."

Na visão de Kahn, "é impossível para o modelo de negócio do Facebook se tornar publisher, mas eles estão sentindo a pressão de ser um. Acho que isso explica um pouco essa mudança de algoritmo".

Neste mês, a rede social anunciou alterações no feed —a página inicial dos usuários— que reduzem o espaço para publicações de empresas jornalísticas, priorizando conteúdo compartilhado por amigos e familiares.

"Eles [Facebook] estão recuando da ideia de se apresentarem como o fornecedor primário de notícias", afirmou o secretário de Redação do "NYT".

O debate levantou a questão sobre se a solução para a disseminação de notícias falsas em redes sociais seria então uma maior regulação por parte dos governos.

"Estou ansioso para ver como isso evolui em um país como a Alemanha, mas eu tenho medo, especialmente em jovens democracias como a nossa, que tem tendências autoritárias", disse o paquistanês Bhutto. Ele se referia a uma lei aprovada pelo Parlamento alemão no ano passado que estipulou multa de até 50 milhões de euros contra sites que não agirem rápido para retirar do ar conteúdos agressivos e notícias falsas.

"O Ministério de Relações Exteriores da Rússia tem um carimbo vermelho para notícias que eles consideram falsas. [O presidente americano Donald] Trump chama de 'fake news' notícias que não lhe agradam. Essas não são as pessoas que deveriam regular isso", disse Khan.

"Tenho muito pouco a favor de uma regulamentação do governo. A única coisa que vai funcionar é mais 'quality news' [notícias de qualidade]."

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