Descrição de chapéu The New York Times

Exército russo ocupa vácuo deixado pelos EUA no norte da Síria

Tropas de Moscou patrulham território curdo entre forças turcas e sírias

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Carlota Gall Patrick Kingsley
Ceylanpinar (Turquia) | The New York Times

A Rússia disse nesta terça-feira (15) que suas unidades militares estão patrulhando o norte da Síria, entre as forças sírias e turcas, após a retirada dos Estados Unidos da área, ressaltando a súbita perda da influência do americanos na região. O movimento ilustra como o equilíbrio de poder local mudou na última semana.

O anúncio de que as forças russas estavam numa área onde os EUA mantinham duas bases militares até segunda-feira (14) pareceu sinalizar uma jogada de Moscou para preencher uma lacuna de segurança deixada pela retirada dos militares norte-americanos e de seus parceiros em uma missão internacional de luta contra o terrorismo.

O Ministério da Defesa da Rússia disse em comunicado que suas tropas, com presença já instalada em outras partes da Síria, estavam articulando "com o lado turco" e que "o Exército do governo sírio assumiu o controle total da cidade de Manbij e das áreas povoadas próximas".

Combatentes sírios apoiados pela Turquia na cidade de fronteira Tal Abyad, na Síria - Khalil Ashawi/Reuters

No Twitter, o coronel Myles B. Caggins, porta-voz da coalizão liderada pelos EUA, confirmou que suas forças, que incluem soldados franceses e britânicos, deixaram a antiga cidade curda de Manbij. 

Ainda na terça os ministros da Defesa da Rússia e dos EUA discutiram, por telefone, a situação na Síria. Em breve, os russos e os turcos serão os únicos exércitos internacionais presentes na região.

Os presidentes da Rússia e da Turquia conversaram na terça-feira por telefone —e Vladimir Putin convidou  Recep Tayyip Erdogan para uma visita oficial a Moscou nos próximos dias. 

Segundo comunicado divulgado pelo Kremlin, os dois concordaram em garantir a integridade territorial da Síria.

Os líderes também discutiram a necessidade de evitar novos conflitos entre os exércitos turco e sírio.

Os dois lados estão disputando o controle de grandes partes do norte da Síria, que eram administradas por um governo curdo sírio autônomo até a invasão liderada pela Turquia no dia 9 de outubro.

De acordo com uma emissora estatal síria, nesta terça tropas do governo sírio foram destacadas para a cidade de Manbij, no norte do país, enquanto as forças lideradas pela Turquia avançavam no interior fora da cidade. Em outros lugares, combatentes liderados pelos curdos tentaram retomar das forças lideradas pela Turquia a cidade estratégica de Ras al-Ayn, na fronteira.

O fogo pesado de metralhadoras pode ser ouvido no sul e sudoeste de Ras al-Ayn e na cidade fronteiriça turca de Ceylanpinar, a menos de 1,6 km dos combates. A artilharia turca atingiu um subúrbio a leste do assentamento sírio no meio da manhã, levantando nuvens de fumaça sobre os sítios e bosques de pistache.

Os combates nessa região obrigaram pelo menos 160 mil pessoas a deixar suas casas, segundo estimativas da ONU. De acordo com as estimativas das autoridades curdas, foram 270 mil.

A incursão turca começou depois que o presidente Donald Trump ordenou a retirada das tropas americanas da fronteira entre a Turquia e a Síria, abrindo caminho para as tropas turcas e seus representantes árabes sírios entrarem em território de posse curda no norte da Síria.

A decisão da Casa Branca foi condenada internacionalmente e deixou um sentimento de traição nos combatentes, transformando rapidamente a situação em um banho de sangue. Especialistas na região alertaram que a retirada das tropas dos EUA encorajaria a Rússia, o Irã e o grupo do Estado Islâmico (EI).

Abandonadas pelos norte-americanos e perdendo rapidamente terras para a força turca, as autoridades curdas buscaram proteção do governo sírio e de seu maior patrocinador, a Rússia.

Depois que curdos pediram ajuda ao governo do ditador Bashar al-Assad, milhares de soldados do Exército Sírio invadiram o norte da Síria pela primeira vez desde que o governo perdeu o controle da região há vários anos.

Mas as tropas do governo sírio ficaram afastadas da região de fronteira perto de Ras al-Ayn, onde as tropas curdas lutam sozinhas. Em vez disso, as forças do governo se posicionaram em outras áreas estratégicas, como as cidades a oeste de Manbij, para ajudar a aliviar a pressão sobre os combatentes curdos na linha de frente.

A aliança de última hora tem um alto custo para as autoridades curdas, que estão efetivamente desistindo de uma administração autônoma. As milícias curdas sírias estabeleceram um sistema de autogoverno no norte da Síria em 2012, quando o caos da guerra civil síria deu a eles a chance de criar um pequeno território autônomo livre da influência do governo central.

Os combatentes expandiram muito seu território depois de se associarem a uma coalizão militar internacional, liderada pelos EUA, para expulsar o EI da área.

Depois que conquistaram a área, eles assumiram a responsabilidade por sua governança, controlando cerca de um quarto de terras sírias.

Eles também estão controlando milhares de combatentes do EI e suas famílias, centenas dos quais fugiram de um campo de detenção em Ras al-Ayn depois que forças lideradas pela Turquia bombardearam a área no entorno.

A Turquia há muito tempo pressiona os EUA a abandonar sua aliança com os curdos, para que suas tropas possam entrar na Síria e forçar os curdos a sair do território próximo à fronteira.

Por vários anos, o governo americano rejeitou esses —até a decisão de Trump na semana passada.

Em resposta aos ataques turcos, o Reino Unido anunciou que suspendeu a venda de armas para a Turquia. A decisão foi anunciada um dia após os ministros das Relações Exteriores de todos os 28 países membros da União Europeia concordarem, por unanimidade, em também parar de vender para eles. 

Mas o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, deixou claro que não vai ceder à pressão para cessar a ofensiva.

"Em breve, garantiremos a região de Manbij até a fronteira com o Iraque", disse ele, durante uma visita ao Azerbaijão, referindo-se à extensão de 370 km de território.​


Entenda a situação na Síria

O que está acontecendo?
Tropas da Turquia invadiram na semana passada o nordeste da Síria, área controlada pelos curdos, com o objetivo de criar um corredor de segurança na fronteira entre os dois países. A ofensiva de Ancara só foi possível porque os EUA decidiram abandonar os curdos (há anos aliados de Washington), retirando seus soldados da região.

Qual a relação de Damasco com os curdos?
Durante a guerra civil síria, o ditador Bashar Al-Assad e os curdos (que são adversários históricos) fizeram uma espécie de acordo: as forças curdas lutaram contra o Estado Islâmico no nordeste do país e, em troca, Damasco não enviou suas tropas para reprimir a minoria.

O que a Rússia tem a ver com isso?
Moscou é o principal aliado político e militar de Assad. Após os curdos serem abandonados por Washington e atacados por Ancara, eles decidiram pedir a proteção de Damasco e dos russos, que agora estão patrulhando parte da área onde os americanos estavam

Como ficam os civis?
Em menos de uma semana, 160 mil pessoas tiveram que abandonar suas casas na região e a tendência é que esse número aumente. Além disso, há milhões de refugiados sírios do lado turco da fronteira, que Ancara pretende enviar de volta

Tradução de AGFox

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