Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
01/09/2010 - 02h30

Para arquiteto de acordos de paz, acordo definitivo é impossível

Publicidade

MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM

Mesmo antes do atentado de ontem, o pessimismo sobre as chances de sucesso da retomada do processo de paz predominava entre a maioria dos analistas e até entre os próprios negociadores. O sentimento e compartilhado pelo ex-ministro israelense Yossi Beilin, um dos arquitetos dos Acordos de Oslo, que abriram o processo de reconciliação com os palestinos, em 1993. Em entrevista à Folha horas antes do atentado na Cisjordânia, ele previu que a tentativa de mediação do governo americano vai fracassar porque Israel não quer e os palestinos não podem chegar a um acordo definitivo. (MN)

FOLHA - O pessimismo manifestado pelos dois lados e real ou mera tática?
YOSSI BEILIN - Há motivos reais para pessimismo. Não é uma situação normal, em que os dois lados começam a negociar porque querem chegar a um acordo, como foi com [o presidente egípcio Anuar] Sadat e [o premiê israelense Menachem] Begin ou com [o líder palestino Yasser] Arafat e [o premiê israelense Yitzhak] Rabin. Netanyahu não dá nenhum sinal de mudança ideológica, fora a aceitação de dois Estados. E, mesmo assim, com muitas reservas. Sua posição está muito distante até do mais moderado dos palestinos. Além disso, mesmo que fosse obtido um acordo, não seria possível implementá-lo, pois a ANP [Autoridade Nacional Palestina] não controla a faixa de Gaza. Reunir os dois lados para chegar a um acordo definitivo, como querem os americanos, não e relevante no momento. Por isso, não entendo para que Obama está organizando esta bobagem. Ele sabe como sabe que não há nenhuma chance de um acordo definitivo.

FOLHA - Seria melhor um acordo interino, como foi feito no processo de Oslo?
BEILIN - A ideia de Oslo era terminar tudo em cinco anos. Não e simples esticar mais esse processo, mas nas condições atuais um acordo temporário talvez seja a única saída possível. Claro que o ideal seria atacar de cara os temas mais difíceis, o problema é que [o premiê israelense, Binyamin] Netanyahu não está pronto para aceitar isso. Sua tática é muito simples: ele fará de tudo para não discutir os temas definitivos e ganhar tempo. Depois poderá falar que tentou, mas os palestinos não quiseram negociar. Se Netanyahu falasse hoje sobre as questões que são o coração do conflito, como Jerusalém, refugiados e fronteiras, ele exporia posições que não são aceitas por ninguém no mundo. Abbas já abriu as cartas, sabe que suas posições são aceitas por quase todo o mundo. Portanto, há uma uma assimetria enorme.

FOLHA - A chave do sucesso é a pressão americana?
BEILIN - Não acredito que pressão possa produzir um acordo de paz. Pode-se pressionar para que haja uma retirada ou o alívio do bloqueio, mas não lembro de nenhum caso em que pressão tenha levado a um acordo de paz. Não depende tanto de [Barack] Obama, ainda mais porque ele provavelmente sairá muito mais fraco das eleições para o Congresso americano, em novembro. O que ele pode fazer? Pode propor um acordo de paz, mas não obrigar as partes a assiná-lo.

FOLHA - Os palestinos tem dito que não precisam receber 100% das fronteiras de 1967, mas 100% do território. Essa pode ser a forma de superar o impasse dos assentamentos?
BEILIN- Está claro que e isso que vai acontecer no fim: as fronteiras de 1967 como base e uma troca de territórios, a questão é quando. E o mesmo que dizer que os 6.200 km de território da Cisjordânia e de Gaza permanecerão [sob controle palestino], mas que as fronteiras serão um pouco diferentes. Os palestinos já dizem isso há muito tempo, mas não vejo Netanyahu disposto a aceitar essa fórmula.

FOLHA - O que levou ao fracasso do processo de Oslo?
BEILIN - Acho que nenhum dos dois lados avaliou corretamente a resistência interna. Nos baseamos em pesquisas que mostravam apoio a um acordo de paz da maioria do público, tanto israelense como palestinos. Não vimos que mesmo uma pequena minoria pode sabotar todo o processo. Não vimos um Yigal Amir [assassino de Rabin]. Assim como os palestinos não acreditaram que o Hamas faria todos os atentados e ainda obteria apoio nas eleições. A avaliação era de que as pessoas queriam viver uma vida normal e não apoiariam os fanáticos. E isso foi um erro. Deveríamos ter chegado a um acordo definitivo bem mais rápido. Eu tentei convencer o Rabin a fazer isso já em Oslo, mas ele tinha receios, e preferiu um acordo em cinco anos. Na época parecia bastante lógico, mas hoje vemos que isso deu chance as radicais de sabotar o acordo.

FOLHA - O fato de o status quo ter se tornado cômodo para Israel impede um avanço nas negociações?
BEILIN - Não acho que esse seja o problema, porque o público israelense, apesar de não acreditar no processo de paz, continua apoiando as negociações, o que não deixa de ser uma contradição. Se Netanyahu realmente caminhasse para um acordo de paz, ele teria o apoio da maioria. O maior problema em Israel não é a opinião pública, mas a liderança. O governo atual não é capaz de fazer um acordo de paz, mas não reflete a disposição da população de aceitar um acordo.

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página