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04/09/2010 - 02h30

A política de Obama para o Oriente Médio: esforço pouco promissor para conquistar a paz

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LEON HADAR
DO HUFFINGTON POST

O presidente Barack Obama está levando adiante sua reorientação da política externa dos Estados Unidos, tanto em termos gerais quanto com relação ao Oriente Médio, e segue a linha internacionalista e néo-realista adotada pelos presidentes George Bush pai e Bill Clinton. O discurso de Obama televisado na terça-feira para anunciar o final da missão de combate norte-americana no Iraque --somado à sua decisão anterior de ampliar o envolvimento militar dos Estados Unidos no Afeganistão-- e o início, esta semana em Washington, de uma nova rodada de negociações orquestradas pelos Estados Unidos entre Israel e os palestinos se enquadram perfeitamente ao seu esforço de reduzir, em lugar de eliminar completamente, os custos de uma política que toma por base a suposição de que Washington continuará a ditar a agenda e determinar os resultados políticos no Oriente Médio --no Afeganistão, Iraque, Irã e Israel-Palestina.

Isso não deve ter causado surpresa àqueles de nós que vêm apelando por mudanças estruturais de longo prazo na estratégia mundial norte-americana, a começar pela reavaliação necessária da meta de manter a hegemonia dos Estados Unidos sobre o Oriente Médio. Afinal, boa parte das críticas de Obama à política externa do presidente George Bush filho, em sua campanha presidencial, bem como suas propostas para mudar aquela política, se assemelhavam à avaliação apresentada por Brent Scowcroft, antigo assessor de segurança nacional do presidente Bush pai que se opôs à decisão de invadir o Iraque e derrubar Saddam Hussein, e hoje depende uma aproximação diplomática com o Irã.

De fato, ao contrário das esperanças despertadas junto a alguns dos admiradores de Obama no movimento de oposição à guerra --ou dos temores que ele causa aos seus críticos neoconservadores--, Obama não provou ser um pacifista disfarçado, um isolacionista, um "terceiro-mundista" ou um "arabista". E suas posições quanto às questões que separam árabes e israelenses se assemelham às da maioria de seus predecessores no posto. Além disso, basta comparar o falso "confronto" entre Obama e o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu com relação à questão dos assentamentos judaicos, e a contestação de Bush pai ao então primeiro-ministro Yitzhak Shamir com respeito ao mesmo assunto (que envolveu entre outras coisas uma ameaça de suspensão dos créditos norte-americanos a Jerusalém) para perceber que é risível, ao contrário do que dizem os comentaristas neoconservadores e outros, definir Obama como "o mais anti-israelense dos presidentes norte-americanos".

Ao tentar melhorar a posição dos Estados Unidos no mundo árabe e no mundo muçulmano, se aproximar do Irã na arena diplomática, iniciar a retirada militar do Iraque e promover a retomada do processo de paz entre Israel e os palestinos, com ênfase no papel dos Estados Unidos como intermediário honesto, Obama não está tentando abandonar a tradicional política norte-americana para o Oriente Médio (ou qualquer outra região). Em lugar disso, ele vem desempenhando um papel contra-revolucionário, tentando reverter a abordagem radical de política externa adotada por Bush filho e seus assessores neoconservadores (a política de ação preventiva; mudanças de regime; unilateralismo diplomático; a Agenda da Democracia), enquanto retoma as estratégias mais realistas adotadas por Clinton e Bush pai.

Que Obama tenha descartado a posição da era Bush quanto a considerar Israel como o xerife dos Estados Unidos no Oriente Médio pode explicar por que, depois de oito anos de acesso a um cheque em branco diplomático norte-americano, alguns israelenses e seus partidários nos Estados Unidos reagiram com tamanha animosidade ao novo presidente. Da mesma forma, ao tratar a ameaça do terrorismo internacional como um desafio administrável de segurança nacional --e não como parte de uma nova guerra mundial contra o "islamofascismo"--, Obama ajudou a proteger os princípios morais e estratégicos da política externa dos Estados Unidos. Foram o presidente Bush filho e seus assessores que violaram esses princípios.

Dessa perspectiva, a prosa do discurso de Obama sobre o Iraque, na terça-feira, parecia refletir seu objetivo de "descolonizar" a política externa norte-americana. Não houve menção à democratização do Iraque e do Oriente Médio, a um confronto com o Eixo do Mal ou à derrota do "islamofascismo". "Os Estados Unidos pagaram um preço elevado para colocar o futuro do Iraque nas mãos de seu povo", disse Obama em seu discurso, no Gabinete Oval. "Ao longo deste capítulo notável na história dos Estados Unidos e do Iraque, cumprimos nossas responsabilidades", ele concluiu. "Agora é hora de virar a página". Sem dúvida.

Ao mesmo tempo, a decisão do governo Obama de convidar o presidente Mahmoud Abbas, da Autoridade Palestina, e o primeiro-ministro Netanyahu, de Israel, para um encontro em Washington em 2 de setembro com o objetivo de retomar as negociações diretas e resolver todas as questões finais ainda pendentes -entre as quais Jerusalém, aos assentamentos judaicos e os refugiados palestinos, em prazo de um ano- parece ter como objetivo sinalizar aos árabes e israelenses que, diferentemente de seu predecessor, o presidente Obama dará ao relacionamento entre Israel e os palestinos prioridade em sua agenda de política externa e está se preparando para investir mais tempo e energia -o que envolve pesado custo político- a fim de tentar resolver o conflito do Oriente Médio. Ou é essa a impressão.

Em certo nível, Obama parece estar tentando recapturar certos aspectos do status quo estratégico que existia no Oriente Médio antes do 11 de setembro e da invasão ao Iraque subsequente -refiro-me ao período posterior ao final da guerra fria e da primeira guerra do Golfo Pérsico; naqueles anos, os Estados Unidos foram capazes de manter a hegemonia sobre a região a um custo relativamente baixo. Seria possível atingir esse objetivo por meio de uma estratégia de compensação: as forças militares norte-americanas seriam mantidas "além do horizonte", e Washington promoveria a "dupla contenção" do Irã e do Iraque (entre outras coisas ao explorar a rivalidade entre os países) e sustentaria o ímpeto de um processo de paz perpétuo entre árabes e israelenses. Embora Bush e seus assessores tenham alegado que sua agenda radical de política externa -que incluía a invasão do Iraque- foi a resposta norte-americana correta ao 11 de setembro, uma estratégia realista com o objetivo de preservar a posição norte-americana no Oriente Médio e enfraquecer os radicais árabes e muçulmanos poderia ter envolvido a derrubada do Taleban, a destruição da Al Qaeda e seus satélites e a retomada do processo de paz entre árabes e israelenses (em lugar de derrubar Saddam Hussein e transformar o Oriente Médio). Assim, não surpreende que seja exatamente isso que o governo Obama está procurando fazer agora ao encerrar o capítulo iraquiano, estimular a retomada do processo de paz e 'concluir o serviço' no Afeganistão.

O motivo para que essa estratégia provavelmente não venha a funcionar agora é que as políticas adotadas pelo governo Bush talvez já tenham mudado o balanço de poder no Oriente Médio, bem como o balanço político de poder nos Estados Unidos, de maneiras que tornam difícil, se não impossível, 'descolonizar' a política externa norte-americana e reconduzir o relógio estratégico ao status quo que existia antes do 11 de setembro.

De fato, anunciar o final da missão de combate norte-americana no Iraque e convocar uma conferência de cúpula entre israelenses e palestinos em Washington não muda as deprimentes realidades concretas. Afinal, as duas coisas são pouco mais que eventos para a mídia. A caixa de Pandora de rivalidades étnicas e religiosas do Iraque continua aberta e o poderoso e agressivo Irã, e seus aliados xiitas no Iraque e no Líbano, é visto como forte ameaça aos interesses dos regimes árabes sunitas da região, a maior parte dos quais instáveis (Arábia Saudita, Egito, Jordânia).Ao mesmo tempo, a Turquia está muito preocupada com os objetivos dos curdos no norte do Iraque e pronta a agir para defender seus interesses na região. Há um vasto barril de pólvora pronto a explodir.

Na Terra Santa, a liderança palestina e a israelense estão divididas e o consenso nacional dos dois lados se radicalizou depois da segunda intifada, do 11 de setembro e da manutenção da ocupação e aceleração na construção de assentamentos israelenses, o que torna menos provável que israelenses e palestinos consigam resolver quaisquer das questões finais ainda pendentes em prazo de um ano. Não conseguiram fazê-lo em 2000, quando Yasser Arafat liderava um campo palestino unificado e uma figura relativamente moderada chefiava o governo de Israel -e no momento em que os Estados Unidos estavam no pico de seu momento unipolar e Irã, Hizbollah e Hamas enfrentavam sérias dificuldades para exercer sua influência. Por isso, de que modo, exatamente, o processo de paz conduzirá à terra prometida da paz imediata?

Portanto, ainda que pressuponhamos a melhor das hipóteses, ou seja, que a questão das ambições nucleares iranianas seja resolvida ou postergada politicamente de maneira que evite conflagração militar envolvendo Israel, os Estados Unidos e o Irã, continua a ser muito difícil vislumbrar uma situação que possa resultar em paz e estabilidade no Iraque e no relacionamento Israel/Palestina, no futuro próximo. Para parafrasear a frase de Oscar Wilde sobre casamentos e segundos casamentos, manter políticas baseadas nessas suposições representaria o triunfo da inteligência e esperança sobre a inteligência e experiência. No entanto, o fato é que muitos casamentos, e segundos casamentos, funcionam.

É possível imaginar um universo alternativo no qual os Estados Unidos não tivessem passado pelo triplo golpe do 11 de setembro, da guerra no Iraque e da Grande Recessão, e estivessem dispostos a usar seu enorme poderio militar e econômico para levar a paz e a estabilidade ao Oriente Médio. Mas não é necessário ser grande pensador geoestratégico para concluir que no universo real do pós-guerra no Iraque e em meio à atual confusão econômica, e tendo em conta o estado de espírito do público norte-americano, os Estados Unidos não disporão dos recursos econômicos e militares e da vontade política necessária a usá-los para impedir as prováveis explosões na Mesopotâmia e no Levante, e para impor sua agenda na região, enquanto ao mesmo tempo tentam combater a Al Qaeda no Afeganistão, Iêmen, Somália e outras regiões -e em um momento no qual, como disse Obama na terça-feira, 'nossa tarefa mais urgente é restaurar nossa economia e encontrar trabalhos para os milhões de norte-americanos desempregados'. Algo terá de ceder, e a política de Obama quanto ao Oriente Médio provavelmente será o primeiro fator a perder terreno.

LEON HADAR é jornalista e analista de assuntos internacionais

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI

 

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