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21/09/2010 - 02h30

Que querem de nós?

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DO "EL DIARIO", DE CIUDAD JUÁREZ

Senhores das diferentes organizações que disputam o controle de Ciudad Juárez: a perda de dois repórteres desta empresa em menos de dois anos representa prejuízo irreparável para todos que aqui trabalhamos, e em especial para as famílias de ambos.

Gostaríamos de informá-los de que somos comunicadores, não adivinhos. Portanto, como trabalhadores da comunicação, queremos que nos expliquem o que querem de nós, o que pretendem que publiquemos ou deixemos de publicar, para que saibamos a que nos ater.

No momento, os senhores são, na prática, as autoridades desta cidade, porque o poder constituído não foi capaz de fazer coisa alguma para impedir que nossos companheiros continuem a ser abatidos, apesar de nossas reiteradas exigências.

É por isso que, diante dessa realidade irrebatível, nos dirigimos aos senhores com essa pergunta, porque o que menos desejamos é ver outro de nossos colegas cair vítima de seus disparos.

Embora todos os jornais dessa região tenham sofrido as consequências da guerra entre os senhores e o governo federal, "El Diário" sem dúvida foi o veículo mais prejudicado até o momento, porque nenhum dos demais, ao contrário de nós, teve de aceitar a perda de dois de seus colaboradores.

E não desejamos mais mortes. Não desejamos mais feridos, e tampouco mais intimidação. É impossível exercer nossa função, nessas condições. Indiquem-nos, portanto, o que esperam de nós como veículo de imprensa.

Não se trata de uma rendição. E tampouco significa que hesitaremos quanto ao trabalho que temos desenvolvido. Estamos falando de uma trégua para com aqueles que impuseram sua força como lei nesta cidade, de modo a que respeitem a vida daqueles que se dedicam ao ofício de informar.

Diante do vazio de poder que afeta os cidadãos de Chihuahua, e em um ambiente no qual não existem garantias suficientes para que os cidadãos possam desenvolver suas vidas e atividades em segurança, o jornalismo se converteu em uma das profissões de mais alto risco, e "El Diario" aceita o fato.

Para os que dirigimos esta companhia, se bem nossos objetivos e missão de bem informar a comunidade continuem a ser os mesmos há 34 anos, no momento não faz sentido continuar colocando em risco a segurança de tantas companheiros para que suas vidas sejam utilizadas como veículos para mensagens, cifradas ou não, entre as diversas organizações, ou destas às autoridades oficiais.

Até mesmo na guerra existem regras. E em qualquer conflagração existem protocolos ou garantias entre os grupos em conflito, de maneira a salvaguardar a integridade dos jornalistas que as cobrem. Por isso reiteramos, senhores das diferentes organizações de narcotráfico, nosso pedido: digam-nos o que desejam de nós, para que possamos deixar de pagar tributo na forma das vidas de nossos companheiros.

De uma faixa deixada por um desses grupos na esquina das ruas Ejército Nacional e Tecnológico, infere-se que eles alegam a autoria do assassinato do repórter fotográfico Luiz Carlos Santiago Orozco, acontecido na tarde de quinta-feira em um centro comercial.

A faixa contém um recado ameaçador dirigido a supostos comandantes e a um comissário, no qual são advertidos que lhes acontecerá o mesmo que aconteceu ao nosso fotógrafo, caso não restituam uma grande quantia em dinheiro.

Desde que essas mensagens começaram a aparecer em faixas ou pintadas nas paredes, "El Diario" não as levou como brincadeira, sobretudo porque diversas delas se provaram verdadeiras, com o cumprimento das ameaças que trazem.

Por outro lado, depois de quase dois anos do assassinato de nosso companheiro Armando Rodríguez Carreón, sentimo-nos muito céticos quanto à possibilidade de que as supostas autoridades de justiça que estão por concluir seu mandato nos ofereçam esclarecimentos confiáveis.

Houve tantas promessas e tantas declarações de que o caso se esclareceria, sem que isso acontecesse, que, a essa altura, caso nos fosse apresentado o suposto responsável pelo crime, certamente receberíamos a informação com espírito de dúvida.

O jornal não aceitará sem hesitar o primeiro indiciado que lhe seja apresentado como autor do ataque a "El Choco", porque temos a informação de que andam em busca de um bode expiatório para que seja acusado deste crime, para nós muito delicado.

Se o objetivo com isso é reduzir a pressão quanto ao assunto, seria contraproducente, porque a única coisa que conseguiriam seria despertar uma desconfiança maior do que aquela que a maior parte dos cidadãos já sente, diante dos elevados índices de impunidade registrados.

De toda maneira, para que "El Diario" aceite um resultado, a essa altura, ele precisaria ser confirmado por organizações internacionais de jornalistas e de defesa dos direitos humanos.

Há quatro anos e meio, quando Felipe Calderón Hinojosa ainda estava em campanha presidencial, visitou as instalações do jornal para conceder uma entrevista sobre diversos temas.

Nesse encontro com os trabalhadores de comunicação deste veículo, o hoje presidente respondeu a uma pergunta quanto às garantias que seu governo ofereceria ao bom desenvolvimento da liberdade de expressão e do trabalho de seus representantes.

Calderón disse que "no caso dos assassinatos [de jornalistas], da mesma forma que estou protegido pela minha condição de candidato, creio que, na medida em uma atividade seja desenvolvida em benefício da comunidade, e acarrete perigo, devam haver meios de protegê-la. Um jornalista ameaçado ou que esteja realizando investigação contra o crime organizado deve ter mecanismos especiais de proteção, e o ideal seria criar uma promotoria especial para esse assunto".

Passados alguns anos, a história é conhecida: o presidente, para obter a legitimação que não conquistou nas urnas, se envolveu, sem estratégia adequada, em uma guerra contra o crime organizado, sem conhecer as dimensões do inimigo ou as consequências que o confronto poderia acarretar para o país.
Lançados a esse conflito sem que o pedissem, os mexicanos especialmente os de Ciudad Juárez- estão sujeitos às consequências de decisões errôneas que os levaram de roldão, com os resultados hoje conhecidos, e em geral abominados pela maioria.

Nesse contexto, os jornalistas também foram arrastados a essa luta sem controle, e sem que o presidente pensasse no compromisso que assumiu em sua visita a "El Diario", porque os trabalhadores da imprensa foram ameaçados, conduziram investigações sobre o crime organizado e estão no meio da guerra como testemunhas privilegiadas e sujeitas a intimidação, mas sem nunca receber do governo os "mecanismos de proteção especial" que o presidente destacou como indispensáveis.

As únicas armas de defesa de que dispõem aqueles de nós que se dedicam a esse ofício são a busca da verdade, o manejo das palavras e o uso de nossas ferramentas de trabalho, os computadores e câmeras fotográficas.

O Estado, como protetor dos direitos dos cidadãos e, assim, dos comunicadores- se manteve ausente nesses anos de belicosidade, mesmo quando aparentou intervir por meio de diversas operações que na prática resultaram em estrondosos fracassos.

Na sexta-feira passada, depois do crime contra o fotojornalista Luis Carlos Santiago Orozco, "El Diario" publicou um editorial no qual enfatizava essa ausência e questionava "a quem devemos exigir justiça?" Os cidadãos se pronunciam da mesma maneira, por não saberem a quem recorrer para pedir ajuda.

Alguns dias atrás, duas organizações médicas mencionaram a possibilidade de greve em seus serviços como forma de pressionar o governo por respostas, depois que diversos de seus integrantes foram sequestrados, e alguns assassinados apesar do pagamento de resgates por seu retorno.

Outros, a exemplo de comerciantes e empresários, também contemplaram ações de pressão, tais como suspender o pagamento dos impostos e contribuições de que vive o governo.

A falta de justiça é tamanha, é tanta a desolação e impotência que sentem todos os setores, que não seria absurdo começar a adotar medidas que realmente afetem àqueles que têm a obrigação de trabalhar mais para garantir a segurança da cidade, do Estado e do país.

Mas em lugar disso, o principal responsável pela proteção aos cidadãos se perde em divagações estéreis sobre o México estar em situação igual ou pior que a da Colômbia há 20 anos, de acordo com declaração feita pela secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton e endossada por veículos de comunicação sérios como o jornal "Washington Post"; ou em lugar disso se concentra em oferecer circo aos seus compatriotas por meio dos gastos vultosos realizados para a comemoração do bicentenário, recursos que seriam empregados com mais eficiência no reforço às pálidas estratégias de segurança.

Não satisfeito com o exposto acima, o presidente pontifica sobre a paz no país como se esta fosse algo de real, ao enviar uma carta a cada uma das famílias do país na qual, retoricamente, sublinha que o branco de nossa bandeira se refere "à paz que conquistamos".

Essa afirmação é uma piada para os moradores de Ciudad Juárez, que estão se afogando em um banho de sangue, e de paz quase nada sabem nos tempos que vivemos.

Em Ciudad Juárez, chegamos a um ponto em que é necessário e urgente- adotar outro tipo de medida para obrigar as autoridades legalmente constituídas a oferecer respostas mais contundentes, porque o limite de tolerância dos sofridos cidadãos foi excedido.

"El Diario", portanto, decidiu assumir a posição expressa nos parágrafos iniciais, a de convocar os grupos em disputa a dizer o que desejam de nós como comunicadores.

DE VÍTIMAS A VERDUGOS

Como se os atropelamentos, atentados e demais intimidações contra os veículos de comunicação não fossem suficientes, ontem a secretária de Educação e Cultura do governo estadual, Guadalupe Chacón Monárrez, colocou sal na ferida ao declarar que somos culpados pelo terror psicológico sob o qual a cidade vive.

Isso significa que, além de vítimas, na visão dessa autoridade somos verdugos, já que ela nos acusa de terrorismo por simplesmente cumprirmos nossa tarefa de informar a comunidade sobre o que está acontecendo na fronteira.

O terrorismo, e isso deveria estar muito claro para a secretária de Educação, vem de outras fontes, e não dos meios de comunicação, que são o veículo para informar o povo sobre o que acontece na cidade.

Chacón Monárrez se referiu de modo específico ao caso da escola primária e jardim da infância no qual pais de alunos e professores vivem com medo de que algo lhes possa acontecer, diante das ameaças recebidas de um grupo de extorsionários.

Foram os pais de alunos que procuraram este jornal a fim de expressar o medo que sentiam e sentem- pela segurança de seus filhos. "El Diario" não inventou as ameaças, e tampouco procurou os pais com o intuito de convencê-los a denunciar as intimidações recebidas.

Diante de uma situação como essa, o que esperava a secretária? Que escutássemos os pais dos alunos e voltássemos para casa? Ou que os aconselhássemos a encaminhar o caso às autoridades, quando eles mesmos não confiam nelas porque nada fazem a respeito?

O repórter que os escutou fez o que devia fazer: escreveu o artigo correspondente e o entregou ao editor, que também executou sua função e responsabilidade ao publicá-lo, já que se tratava de um assunto importante que envolvia a integridade de numerosas pessoas, entre as quais, especialmente, crianças.

O terror não foi causado pela informação divulgada, e retransmitida pelos demais veículos de comunicação da cidade, mas sim por aqueles que ameaçaram os menores, seus pais e os professores. Mas, acima de tudo, vem sendo causado por aqueles que, tendo a responsabilidade por, e a capacidade de, impedir esse tipo de ação, não o fazem, seja por omissão, negligência ou até conluio.

A secretária da Educação disse que não consegue imaginar que alguém falte com o respeito às crianças, e que a situação podia ser apenas uma brincadeira de mau gosto. É perceptível que a secretária não vive na cidade, na qual menores de idade, crianças pequenas e até bebês vêm sendo massacrados. Brincadeira de mau gosto são os comentários da secretária, os quais certamente não agradarão aos muitos pais de família que perderam filhos de maneira violenta.

Tem razão Hernán Ortiz, antropólogo e pesquisador da UACJ, que respondeu a Chacón Monárrez afirmando que a culpa pelo terrorismo que há muito sofremos não cabe à mídia, e sim à incompetência demonstrada pelos governos; isso coincide com nossos comentários parágrafos acima.

"Gostaria de aconselhar aos veículos de comunicação, com todo respeito, que não se convertam em cúmplices dessa forma de terrorismo psicológico conduzida via comunicação", disse a secretária.

O que ela pretende dizer com isso? Que deixemos de publicar? Que publiquemos apenas notícias "boas" ou "positivas", como passadas polêmicas já sugeriram? Os veículos de comunicação reconhecem e publicam tudo que acontece na cidade, e cabe ao leitor decidir se é "bom" ou "ruim" aquilo que lê, escuta ou vê.

De toda forma, cabe à secretária da Educação a grande responsabilidade de garantir que as crianças que estão sendo educadas hoje saiam da escola com uma mentalidade bem formada, para que não se tornem os delinquentes de amanhã.

Chacón Monárrez simplesmente criou uma cortina de fumaça para ocultar a incapacidade das autoridades quanto a fazer bem o trabalho que deveriam.

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI

 

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