De vuvuzela a mensalão, veja os termos que marcaram esta década

A primeira década do século 21 trouxe uma série de termos que marcaram, seja de forma positiva ou negativa, o Brasil e o mundo. Veja os principais:

BOLSA-FAMÍLIA

Não há na História brasileira, estatisticamente documentada desde 1960, nada similar à redução da desigualdade de renda observada desde 2001, lembra
Marcelo Neri, colunista da Folha.

Fernando Canzian-29.jun.06/Folha Imagem

Casal Pedro e Micineia recebe R$ 112 do Bolsa Família para manter 3 filhos na escola

A queda é comparável ao aumento da desigualdade dos anos 60 que colocou o Brasil no imaginário internacional como a terra da iniqüidade inercial. No período 2001 a 2009 a renda dos 10% mais pobres cresceu 456% mais que a dos 10% mais ricos. Nos últimos 12 meses terminados em outubro de 2010, captamos mesmo movimento, perfazendo dez anos consecutivos de quedas do índice de Gini.

Rendimentos do trabalho explicam 66% da queda do índice de Gini, sendo 15,7% explicados pelos aumentos dos benefícios da Previdência e 17% por programas sociais como Bolsa Família. Mas cada ponto percentual de redução do Gini pelas vias da Previdência custou 384% mais que o obtido pelas vias do Bolsa Familia.

Note que todas essas transferencias cresceram no período. Ou seja, a desigualdade poderia ter caído ainda mais se fizéssemos a opção preferencial pelos pobres pelas vias do Bolsa Família.

Se a década de 90 foi a da estabilização da economia, a de 00 foi a da redução de desigualdade de renda. Em 1999, na crise do real começou a ser gestada pelo governo, organismos internacionais e pesquisadores a construção de uma grande rede de proteção social financiada pelo fundo de erradicação da pobreza que foi estabelecido pelo Congresso Nacional em 2000. Neste sentido, a década que se encerra, não por coincidência foi também a das Bolsas: Escola e Família.

E a nova década? Se for a da qualidade de educação, pode-se incluir no Bolsa Família a educação da primeira infância, a presença dos pais nas escolas e prêmios extras por performance escolar, medidos pelo sistema de avaliação de proficiência instalado (Prova Brasil. ENEM e cia).

Se for a década do maior protagonismo dos pobres, novas portas de entrada à cidadania e aos mercados podem ser abertas pelo Bolsa Família por meio de crédito, seguro e poupança. Se for a da responsabilidade fiscal, o Bolsa Família custa hoje aos cofres federais menos de 0,5% do PIB. Se for a da erradicação da miséria proposta pela presidente eleita, o Bolsa Família é o caminho mais curto para se chegar lá, principalmente se acompanhado de upgrades que deem mais a quem tem menos, que tratem os diferentes pobres na medida de sua diferença. Estes pontos já foram incorporados ao Família Carioca, recém lançado pela prefeitura do Rio, inovando sobre as bases do programa federal. A segunda década do novo milênio será a do Bolsa Familia 2.0.

PRÉ-SAL

A faixa que se estende ao longo de 800 km entre Espírito Santo e Santa Catarina, abaixo do leito do mar, tornou-se, nas palavras do presidente Lula "um bilhete premiado" de Deus ao Brasil. O petróleo encontrado nesta área está a mais de 7.000 metros de profundidade, abaixo de uma extensa camada de sal que, segundo geólogos, conserva a qualidade do produto.

Vários campos e poços foram descobertos no pré-sal, como os de Tupi --entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris-- e Libra --entre 3,7 bilhões e 15 bilhões de barris de petróleo. Além deles, há também os de Guará, Bem-Te-Vi, Carioca, Júpiter e Iara, entre outros.

Durante a corrida eleitoral de 2010, o pré-sal foi utilizado como um dos trunfos da campanha da então candidata Dilma Rousseff (PT) contra José Serra (PSDB).
A Petrobras é uma das empresas pioneiras em perfurações profundas, mas não sabe exatamente o quanto de óleo e gás pode ser extraído de cada campo e quando começariam a dar lucros.

FICHA LIMPA

Sérgio Lima-09.set.10/Folhapress

Ameaçado pela Lei da Ficha Limpa, Joaquim Roriz desiste e lança sua mulher como candidata no Distrito Federal

A partir de um instrumento previsto na Constituição, diversas entidades, lideradas pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, decidiram apresentar um projeto de lei que barrasse a candidatura de políticos condenados pela Justiça.

Surgiu assim a campanha Ficha Limpa, que reuniu 1,3 milhão de assinaturas (1% do eleitorado), o suficiente para apresentar ao Congresso o projeto de iniciativa popular.

O texto original previa a inelegibilidade dos candidatos com condenação em primeira instância pelos crimes de racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas, desvio de verbas públicas, compra de votos e uso da máquina pública.

Ficariam impedidos de concorrer também os candidatos que renunciaram ao cargo para evitar cassação. No Congresso, o projeto foi alterado e passou a valer apenas para decisões colegiadas (tomadas por mais de um magistrado). Após sanção do presidente Lula, o STF decidiu pela validade da lei já em 2010, o que impediu a eleição de políticos como Joaquim Roriz (PSC), Jader Barbalho (PMDB).

VUVUZELA

Ina Fassbender /Reuters

Homem com vuvuzela interrompe jogo da semi-final da Copa do Mundo 2010, entre Alemanhe e Espanha, na África do Sul

Em nenhum lugar do mundo os cornetões de estádio fazem tanto sucesso como na África do Sul. E o mundo soube disso em 2010, durante a Copa do Mundo.

Apesar das reclamações de jogadores, técnicos e jornalistas, as vuvuzelas, como são chamadas, foram, ao lado da bola Jabulani, uma atração à parte no Mundial.

O criador do instrumento infernal foi Freddie Maake, vulgo Saddam, torcedor fanático do KaizerChiefs, clube de Soweto, distrito de Johannesburgo. Logo se tornaram frequentes nas partidas no país.

A corneta emite sons de até 127 decibéis, volume maior que o apito dos árbitros, que podem chegar a 120 decibéis.

Elas só silenciaram, momentaneamente, na derrota da África do Sul para o Uruguai, por 3 a 0, ainda na primeira fase, o que praticamente selou a eliminação dos anfitriões do torneio.

No encerramento da Copa, a África do Sul defendeu o instrumento, exibindo uma imagem da Terra rodeada de vuvuzelas. As cornetas, porém, foram proibidas por diversos clubes e confederações ao redor do mundo.

INSURGENTE

Antes, um inimigo era um inimigo, um aliado era um aliado. A coisa deixou de ser tão simples nesta década. Os EUA passaram a enxergar nuances no que era preto ou branco. Surgiram os termos 'combatente ilegal' e 'insurgente' para designar os presos levados para a base de Guantánamo, em Cuba, a partir de 2002.

Expressões que foram atreladas aos inimigos americanos no Afeganistão e no Iraque, dentro da chamada "Guerra ao Terror".

O então secretário de Defesa Donald Rumsfeld explicou a versão americana: "Tecnicamente, trata-se de combatentes ilegais, que não gozam dos direitos das Convenções de Genebra".

A série de tratados sobre os direitos humanos estabelecidos até o início do século passado foi deixada de lado e, de algum modo, o eufemismo insurgente abriu espaço para técnicas "diferenciadas" de interrogatório de presos, como o uso de "waterboarding" (afogamento) e choques elétricos em locais como a prisão de Abu Ghrabi, no Iraque.

REDES SOCIAIS

Time Magazine-15dez.10/AP

Fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, é eleito Pessoa do Ano pela revista "Time"; ele ficou milionário com a rede social

Se a internet mudou a vida das pessoas, as redes sociais mudaram o jeito como nos relacionamos.

Por definição, uma rede social é uma página na internet na qual é possível criar um perfil e "adicionar" amigos. Por meio dela, o usuário pode informar sobre o que acontece em sua vida, seja com fotos da última viagem ou contando algo que aconteceu naquele dia.

O Orkut foi o precursor das redes sociais e, até hoje, é o mais popular no Brasil. O site tem estimados 85 milhões de usuários em todo o mundo.

Mas foi o Facebook, ao lado do Twitter, que mostrou o real poder das redes sociais. O Facebook já tem 500 milhões de usuários, e o Twitter, 165 milhões.

Além de permitir que seus usuários conheçam outros, entrem em contato com amigos distantes ou até paquerem, os sites também desempenham papel mais social.

Como na reeleição do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, em 2009, quando a imprensa estrangeira teve de deixar o país durante protestos por supostas fraudes. Porém, por meio do Twitter, iranianos puderam espalhar ao mundo imagens, vídeos e relatos do que acontecia em Teerã.

PAREDÃO

Frederico Rozário-19.jan.10/TV Globo

Elenita é indicada ao paredão pela líder Joseane, em um dos episódios do BBB 2010; reality-shows dominaram a TV nesta década

Na primeira década do século 21, o conceito de paredão --aquele muro em que condenados são fuzilados-- adquiriu um novo significado: pessoas às lágrimas pedindo para não serem eliminadas de reality shows que prometem dinheiro como prêmio.

Apesar de o primeiro reality show brasileiro, "Casa dos Artistas" ter sido realizado no SBT em 2001, foi o "Big Brother Brasil", adaptação de programa holandês feita pela Globo, que popularizou o formato --e também a palavra-- no país.

"Paredão" passou a ser utilizado em qualquer situação mais tensa: o funcionário que pensa estar "no paredão" ao ser chamado pelo chefe; o dirigente de time de futebol que é cobrado pelos torcedores; a namorada que recebe um SMS do namorado dizendo que os dois precisam conversar.

Fruto do sucesso das, até agora, 10 edições do programa que, como visto, não criaram apenas celebridades instantâneas, mas também modismos linguísticos

MENSALÃO

Sérgio Lima-12.nov.08/Folha Imagem

Ex-deputado Roberto Jefferson na liderança do PTB, na Camara dos Deputados; peça central do escândalo do mensalão

O maior escândalo do governo Lula veio à tona no dia 6 de junho de 2005, quando o deputado e presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, revelou, em entrevista à Folha, que o governo pagava um 'mensalão' para deputados da base aliada.

Seriam R$ 30 mil mensais, segundo Jefferson, num esquema supostamente de conhecimento do ministro José Dirceu (Casa Civil) e do próprio Lula. Personagens tomaram o noticiário, como num enredo policialesco: Fernanda Karina Sommaggio, a secretária que testemunhava maços de dinheiro sendo trocados; Marcos Valério, a fonte pagadora do caixa 2; Delúbio Soares, o receptor de "recursos não contabilizados"; Silvio Pereira, o agraciado com um Land Rover; Jacinto Lamas, o tesoureiro do PL e dono do nome que é uma piada pronta.

Embates memoráveis tomaram o noticiário. Como o de Jefferson para. Dirceu, num depoimento na Câmara: "Vossa excelência provoca em mim os instintos mais primitivos".

O caso ainda repercute. No STF corre processo em que Dirceu é descrito como "chefe de quadrilha". Novas regras para coibir o caixa dois foram implementadas. Mas o impacto mais duradouro foi mesmo no léxico. Mensalão agora se escreve sem aspas, como sinônimo de propina, suborno, desvio, corrupção em geral.

CARRO FLEX

Reprodução

Carro mais potente do Salão de São Paulo é sueco e flex; termo é um dos que marcaram o glossário da primeira década

A novidade dos automóveis da primeira década do século 21 foram os motores bicombustíveis. O conceito foi apresentado ao mercado em 2002. No mês de lançamento, um ano depois, vendeu apenas 26 unidades.

Com o receio de repetir o fracasso do Proálcool, ninguém acreditava que os "flex" chegariam a 87% dos automóveis vendidos no país em 2010.

Com o fenômeno, o brasileiro aprendeu que com até 70% do preço da gasolina, é mais barato andar a álcool. Os híbridos com GNV também apareceram, mas não se popularizaram tanto. E a produção de etanol explodiu no país. Eram 15,9 bilhões de litros em 2006, e 27,5 bilhões em 2009 --aumento de 73%.

Apesar das críticas de que parte da agricultura está sendo utilizada para consumo energético, ao invés de alimentício, o modelo virou exemplo fora do país. Enquanto o pré-sal não deslancha, os bicombustíveis (e biocombutíveis) são a principal contribuição energética do Brasil para o século.