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18/03/2011 - 14h45

Celso Lafer espera gesto de Obama sobre Conselho de Segurança

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ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Chanceler dos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer diz esperar que o presidente americano, Barack Obama, faça um gesto de aproximação em um pedido antigo de Brasília: a reforça do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).

"Ele vai tentar fazer alguma coisa. O quê eu não sei. A posição do Brasil hoje no plano internacional e na América do Sul é mais forte do que foi há sete, oito anos. Os dois países que mais se sentem, na nossa região, desconfortáveis com essa tese são Argentina e México, que estão mais fragilizados do que estavam. É um dado. Por outro lado, convém não esquecer que o México é um país vizinho dos EUA e há uma relação de interação muito forte e deve ser um componente da reflexão da diplomacia norte-americana", diz Lafer.

Lafer é hoje presidente da Fapesp. Formado em direito pela USP, com doutorado em Ciência Política pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, é autor, entre outros livros, de "A reconstrução dos direitos humanos, um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt", "Desafios: Ética e política" e "Mudam-se os tempos - Diplomacia brasileira 2001-2002".

Veja a a entrevista que ele concedeu à Folha

Folha: Qual o significado da visita do presidente Obama?
Celso Lafer: Toda a visita presidencial tem um significado próprio, tem relevância política. Que ele tenha resolvido visitar o Brasil e que o Brasil tenha achado bom que ele venha são dados dessa equação. O dado subsequente é que ele está vindo agora no primeiro semestre da atuação da nova presidente. A minha impressão é que ninguém inventa uma personalidade para criar uma estratégia. Cada um de nós tem a estratégia da sua personalidade. Ela está aos poucos definindo a estratégia da personalidade dela. E a dimensão de uma pessoa mais institucional, menos intuitiva. Ela fez colocações na área de direitos humanos que foram importantes. Ela também fez uma sinalização em relação ao tema do Irã. Ela tem adotado uma série de orientações nessa área de direitos humanos que parecem mais em consonância com o que diz a Constituição. Acho que toda a viagem nessa linha procura convergências. É claro que existem diferenças, seja sobre a leitura do mundo, seja sobre interesses específicos. Nesse capítulo tem a agenda econômica.

O que o sr. destacaria dessa agenda?
Por exemplo, as nossas aspirações em matéria de redução dos subsídios agrícolas, a nossa preocupação com o etanol, as preocupações com o câmbio, que afetam muito o comércio internacional e onde os EUA têm um papel e a China tem outro. Isso leva ao real valorizado, que é um problema importante para a diplomacia econômica e comercial do Brasil. A expectativa é que haja algum tipo de manifestação em torno do conselho de segurança.

Mas menos enfática do que foi no caso da Índia?
É a minha percepção. É a perspectiva. O governo brasileiro pleiteia um gesto. Ele vai tentar fazer alguma coisa. O quê eu não sei. A posição do Brasil hoje no plano internacional e na América do Sul é mais forte do que foi há sete, oito anos. Os dois países que mais se sentem, na nossa região, desconfortáveis com essa tese são Argentina e México, que estão mais fragilizados do que estavam. É um dado. Por outro lado, convém não esquecer que o México é um país vizinho dos EUA e há uma relação de interação muito forte e deve ser um componente da reflexão da diplomacia norte-americana. O presidente Obama logrou muito sucesso com o poder da palavra. E no plano internacional tem feito discursos importantes, como em Praga, no Cairo. Ele pretende fazer um discurso importante no Rio. É bom não esquecer que o presidente Obama enfrenta um mundo complicado. Enfrenta um problema no Oriente Médio de dificílimo entendimento, difícil de reagir. Enfrenta o capítulo Iraque que não está resolvido, enfrenta o problema do Afeganistão que não está resolvido, enfrenta a crise econômica e, por tabela, uma oposição interna muito significativa. É um governo cuja latitude de ação é circunscrita nos planos interno e externo.

Alguns se dizem frustrados com esse governo ainda muito ligado às políticas republicanas. O sr. concorda com essa visão?
Acho que ele está fazendo o melhor possível no meio de circunstâncias difíceis. Como dizia Maquiavel você precisa ter virtude e fortuna. Acho que virtude sem dúvida ele tem. Mas a fortuna não tem sido fácil.

Quais os temas principais da viagem? Pré-sal, China, propriedade intelectual?
Acho que o tema da energia, pré-sal, é importante. Acho também que haverá discussão em torno de sustentabilidade e meio ambiente. Tem a agenda ambiental que é muito significativa. Eles tiveram uma experiência complicada no Golfo do México. Tema do pré-sal é de grande desafio no terreno tecnológico.
Há muito interesse de empresas norte-americanas de abrir um canal nesse projeto, não?
Acho que há. Outra área que pode surgir é o capítulo de ciência e tecnologia. Como presidente da Fapesp, acho esse um tema de grande importância.

A questão da propriedade intelectual?
Pode ser objeto de discussão, mas nunca é fácil.

Bases na Colômbia, Irã, Mercosul?
Irã vai entrar na discussão, que eu acho que será uma discussão mais fácil. A discussão sobre caças vai entrar, mas não em termos de solução. Tem o problema econômico, não tem dinheiro. Mercosul deve entrar como uma indagação de como o governo está vendo o Mercosul, seus vizinhos. Acho que Venezuela deve entrar. Acho que a presidente é mais cauta em relação ao Chávez do que foi o presidente Lula. Colômbia também. O Brasil tem feito aproximações. A própria relação da Colômbia com a Venezuela está melhor agora. Em relação ao Mercosul tudo depende muito da posição da Argentina, que por sua vez está entrando num processo eleitoral. O fato de não ter sido escolhida para essa viagem é um sinal também.

Do ponto de vista comercial, é possível reverter esse deficit que temos com os EUA?
Caberia ao Brasil fazer um esforço de reduzir esse deficit e eu acho que está ao nosso alcance. Mas aí o câmbio é um dado importante e é um problema estrutural. E também depende da melhoria da situação econômica dos EUA.
Mas boa parte da relação comercial é de relação intraempresas.
Isso sim. Mas não apenas. Por exemplo, serrarias exportam madeira para construção nos EUA. Atualmente há um impacto negativo por causa do mercado imobiliário norte-americano.

Há algum avanço possível no caso do etanol?
Acho. Um capítulo fácil na história do álcool é a mistura, pois não precisa nem de um motor de dupla utilização. Melhora as condições ambientais e cria um mercado para o etanol. É do interesse deles por causa do milho.

Existe antiamericanismo no Brasil? Maior ou menor do que em épocas passadas?
Acho que para uma certa área dos que dão apoio ao governo, uma área do PT e outros que incluem a base de sustentação do PT, o antiamericanismo é uma manifestação quase que instintiva. Acho que do ponto de vista mais geral não vejo uma situação de antiamericanismo ideológico. A diplomacia está voltada para encontrar caminhos comuns, ver como você administra diferenças. Existe uma coisa chamada diplomacia de combate. Por exemplo, no período da Guerra Fria a oposição entre os EUA e a URSS, a posição do Irã em relação aos EUA ou a Israel. Não acho que a posição brasileira oficial e da sociedade responda a esse tema de uma diplomacia de combate.

Estão se completando 50 anos da Aliança para o Progresso. O que mudou?
Acho que foi uma iniciativa importante, fruto não só da Revolução Cubana, mas da operação pan-americana do governo do JK que colocou o Brasil e a América Latina no mapa das inquietações políticas e econômicas. O mundo é hoje muito mais fragmentado. Não existem polos como existia naquela ocasião. Há tanto a lógica centrípeta das forças de globalização, quanto a lógica centrífuga das fragmentações, das identidades. É um mundo mais difuso, que não tem nenhuma ligação tão clara daquela época. O que caracterizava o Kennedy também era o domínio da palavra e isso também é um dado do presidente Obama. Ele está aqui em tempo de tormenta.

O que o sr. perguntaria a Obama?
Como ele pretende compatibilizar os desafios da agenda política e econômica interna dos EUA com o problema da presença dos EUA num mundo em turbulência.

 

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