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24/03/2011 - 02h30

Documentarista iraniano descarta revolta no país a curto prazo

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LUCIANA COELHO
EM BOSTON

O documentarista de origem iraniana Maziar Bahari está descrente. Embora ache que o regime em Teerã não possa se sustentar para sempre, tampouco crê que as revoltas nos vizinhos árabes chegarão ao Irã tão cedo.

Afinal, diz, o regime tem defensores dentro do país e governos que o legitimam fora. Para mudar isso, ele defende que os EUA e países ocidentais deem à população meios de se comunicar. Só aí o regime pode explodir.

O cineasta passou 118 dias preso no Irã em 2009, após o cerco à oposição. Condenado in absentia, não pode voltar.

Bahari vem ao Brasil entre os dias 3 e 10 para o festival É Tudo Verdade. Antes, falou com à Folha por telefone, do Camboja, e pediu que Brasília se afaste de Teerã. "Se o Brasil trabalhar com esse governo, terá uma má imagem entre os iranianos."

FOLHA - Quase 18 meses depois, qual sua memória mais viva da prisão?
MAZIAR BAHARI - Acho que é o absurdo da coisa toda, porque se eu tivesse feito algo errado, tudo bem. Daria para justificar. Mas o absurdo de tudo isso, o cenário que armaram, e depois me acusarem de espionagem, me interrogarem sobre minha vida privada, com quantas feministas e ativistas de direitos civis eu tive relações sexuais, para quais agências eu estava trabalhando, a coisa toda era um absurdo. É essa minha memória mais viva.

O sr. ainda pensa muito a esse respeito?
Nem tanto. Penso porque sei que há muita gente passando pelo que eu passei, várias pessoas que saíram da prisão recentemente disseram ter passado pelo mesmo.
Nem todos disseram publicamente, mas algumas pessoas corajosas enviaram cartas de dentro das prisões, descreveram o mesmo. Fico entristecido em ver que tanta gente está passando por exatamente o mesmo que eu passei.

Como era ser um cineasta e jornalista no Irã? Como é não poder voltar para lá para filmar?
É como se eu tivesse sido atropelado por um caminhão e estivesse paralisado. Não poder voltar para o Irã me paralisa, Eu tenho uma sentença lá de 13 anos e meio, então não vejo como voltar ao Irã no futuro próximo. Mas ainda estou tentando trabalhar com gente dentro do país. Na verdade, desde que saí, muita gente, inclusive gente que trabalha para o governo, me ligou e se desculpou por não poder fazer nada por mim. Eu ainda estou em contato com o Irã quase diariamente.

Falo com gente lá por quase uma hora todo dia, às vezes mais. Claro que é triste que eu não posso voltar lá agora, mas vou fazer o que? É a realidade da minha vida agora, e eu preciso aceitá-la.

Vou ter de inventar outros modos de fazê-lo. Também acho que com o advento do jornalismo cidadão, a internet, há outros meios de fazê-lo. Claro que isso não compensa o fato de eu não poder voltar para o Irã, mas ainda consigo fazer algumas coisas.

Eu não tenho escolha. Se eu pudesse, voltaria. Mas mesmo que eu estivesse lá, e eu tenho vários amigos lá ainda, não necessariamente conseguiria trabalhar, pois há sempre essas ameaças de prisão. Em algum sentido, todo mundo sabe que a razão para minha prisão foi enviar um sinal a outros jornalistas e cineastas no Irã de que eles deveriam tomar cuidado com o que fazem.

Há cineastas lá muito sob o controle da Guarda Revolucionária. Qualquer um que faça algo de que o governo não goste pode ser chamado para ir ao Ministério da Inteligência ou à Guarda Revolucionária ou pode ser preso. Nós vimos isso com Jafar Panahi [premiado diretor de "O Círculo" e "Fora do Jogo"], sentenciado a não fazer filmes por 20 anos.

O problema com esse governo é que eles tratam a informação como seu pior inimigo, e eles dizem isso, dizem que sua principal testemunha é a ciberguerra, ou a guerra de informações. Eles sabem que se qualquer informação sobre o pais sair, e as pessoas fora do país virem, isso pode solapar a autoridade do governo.

Mas é impossível hoje ter total controle sobre a informação.
Sim, não dá. E as pessoas viajam e podem levar notícias para fora. E o governo depende muito da internet, então ele não pode acabar com o fluxo de informações na internet. Além disso, com o progresso da tecnologia, logo teremos internet por satélite, outros meios de comunicação, e ninguém vai poder controlar isso.

Vários analistas cogitaram a hipótese de, com esse fluxo, vermos o que está acontecendo agora em vizinhos árabes se repetir no Irã. Por um lado, não há tantas similaridades entre o Irã e eles, mas por outro, os ativistas iranianos são bastante vocais...
Não acho que veremos algo parecido com isso no Irã no curto prazo, não me parece possível. E há diversas razões para isso _uma é que os iranianos têm uma péssima memória da revolução [de 2009, após acusações de fraude eleitoral para favorecer o presidente Mahmoud Ahmadinejad]. Muita gente não quer participar de outra sem ter certeza dos resultados.
Além disso, muita gente em países como o Egito e a Tunísia se sublevou contra o fato de o governo não ser independente, de o governo ser guiado por outro governo. No Irã não temos essa dependência, o governo fez um bom trabalho de propaganda para mostrar isso. Por conta disso, muita gente não vai se levantar contra a influencia estrangeira, e sim sobre a opressão domestica.

E o líder do Irã, aiatolá Khamenei, mesmo sendo um ditador, mesmo delirando sobre ser o representante de Alá na terra, ele não é corrupto, não faz nepotismo, não quer que seus filhos o sucedam. Por isso ele tem um grupo forte de devotos, que está até disposta a matar e morrer por ele.

Já vimos em outras ditaduras que, quando há mesmo que uma pequena minoria disposta a isso, eles podem controlar as pessoas por um momento, ainda que não para sempre.
O regime está se tornando impopular todos os dias. Mas ao mesmo tempo há gente que está disposta a morrer e matar pelo regime.

E a popularidade de Ahmadinejad, ameaçada pela situação econômica?
Ahmadinejad, no Irã, é irrelevante neste momento. Nas últimas manifestações nem tinha muitos gritos contra Ahmadinejad, e sim contra [o líder supremo, aiatolá] Khamenei. O Ahmadinejad é só presidente e não tem tanto poder.

Há dois calcanhares de Aquiles deste governo. Um é a economia, que vai fazer esse governo implodir, e outro é a informação, que vai fazer ele explodir. Acho que com a combinação dessas duas coisas, a situação fica meio que insustentável, alguma coisa vai acontecer.

Mas a principal questão no Irã é que há essa minoria que tem mantido o país em pé e a segurança do regime, intacta. A situação econômica é horrível, porque tem corrupção, dependência de petróleo, sanções que estão afetando o pais, já que tudo que o governo compra precisa comprar no mercado negro e pagar o dobro, o triplo.

Ativistas de direitos humanos iranianos, como a prêmio Nobel Shirin Ebadi, criticam as sanções. Há países que defendem isolar o Irã, e há outros, caso do Brasil, que defende atraí-lo para o dialogo. Qual a melhor tática neste momento?
Eu consigo entender que potências emergentes, sobretudo o Brasil, queiram ter uma abordagem diferente da questão com o Irã, para conseguir relevância internacionalmente. Mas é uma visão limitada, porque uma hora esse regime vai mudar, de um jeito ou de outro. E aí, da mesma forma que os iranianos têm más lembranças dos britânicos pela época do xá, eles terão más lembranças do Brasil e da Turquia.

Acho que o Brasil, como a Turquia, não se importam tanto com o futuro, porque os políticos estão sempre preocupados apenas com o que está acontecendo agora.

Esse regime carece de legitimidade. E todos os governos que acreditam em direitos humanos, liberdade de expressão, têm de coletivamente tornar esse governo o mais ilegítimo possível na comunidade na internacional. E eu não vejo o Brasil, a Turquia, a Rússia, a China aderindo a essa política.

Vai sobrar para os EUA deixar claro para vários governos que é preciso trabalhar ou com eles ou com o Irã. Se os americanos jogarem alto, [esses países] terão uma escolha clara. Eles poderão não mudar suas políticas radicalmente, mas poderão trabalhar os EUA na condenação ao Irã.

Seus filmes mais recentes abordam as relações entre os EUA e o Irã no passado. Como o sr. as vê hoje, depois de o presidente Barack Obama ter dito que estenderia a mão, e tudo que vemos é a deterioração dessa relação?
As relações estão em um momento muito ruim. Os iranianos têm de ser antiamericanos para sobreviver. Como muitos regimes árabes, no Irã a principal política é ser antiamericano e anti-israelense. Acho que eles continuarão assim, e não vão se ceder naquilo que é o principal interesse dos EUA, o programa nuclear.

E os americanos perceberam que não podem trabalhar com o Irã em muitas coisas, mas eles também estão em uma situação muito delicada, com duas guerras, problemas domésticos... E eles também se atém muito a resultados de curto prazo. Quando eu digo a políticos americanos que é importante trabalhar em políticas de longo prazo a respeito do Irã, eles não parecem muito interessados.

Eles deveriam trabalhar com a oposição?
Não, nunca acho que essa seja uma boa ideia para os americanos. Acho que o que o governo americano e a comunidade internacional deveriam fazer é possibilitar que o povo iraniano se expresse, se comunique entre si e se comunique com o resto do mundo.

Eles precisam reforçar a infraestrutura, investir em internet por satélite, não importa quanto isso custe. Com certeza pesquisar e desenvolver a internet por satélite menos do que aviões e navios de guerra.

Ao mesmo tempo, eles precisam punir o regime iraniano e impor sanções contra o programa nuclear e aqueles que comentem abusos de direitos humanos, mas não contra a população iraniana, a sociedade civil, como é o caso das sanções sobre remédios.

Isso piora a imagem deles no Irã, não?
Sim, exatamente. E eles precisam trabalhar na imagem deles. Imagem é uma questão essencial no Irã. Os americanos e britânicos não têm uma imagem boa no Irã, e, infelizmente, acho que o Brasil e a Turquia [mediadores de uma tentativa de acordo sobre o programa nuclear iraniano em 2010], se trabalharem com esse governo, também terão uma imagem ruim.

O sr. está indo ao Brasil em abril para ser jurado do festival "É Tudo Verdade". Vai se encontrar com alguma autoridade?
Se alguém quiser me receber, sim, sempre espero passar uma imagem diferente do país, mais realista. Mas eu sou um jornalista, não um ativista.

O sr. já afirmou que os iranianos e os americanos, e os britânicos, e eu acrescentaria os brasileiros não têm memória. Seus dois filmes mais recentes, sobre a queda do governo Mosadegh 91953] e a queda do xá [1979], não têm finais felizes. O que o sr. acha que esses países deveriam aprender com a história para ter um final feliz?
Que os iranianos são muito nacionalistas, então invadir o Irã não é a melhor coisa. Ao mesmo tempo, têm de aprender que precisam ficar do lado do povo do Irã e permitir que o povo decida.
O que eu notei após a eleição de 2009 é que os iranianos atingiram uma maturidade inédita na história do pais. Esse foi um movimento não violento. Ninguém pediu revolução nem citou uma ou outra pessoa. O espírito era de celebrar a vida. Isso é importante, e as pessoas devem prestar atenção nisso, preservar esse espírito.

Porque uma vez que esse espírito se desfizer, sobra a violência. Do lado da oposição, do lado do governo... E pela violência, mesmo que se derrube esse regime, e o substitua por outro, com violência, não se terá conseguido nada.

 

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