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11/07/2011 - 19h13

Não culpem a Moody's pela deplorável crise do euro

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WOLFGANG MÜNCHAU
DO "FINANCIAL TIMES"

Sempre se pode avaliar a temperatura de uma crise no euro pela intensidade dos esforços para empurrar a culpa a alguém. Na semana passada, a cacofonia se acalmou por algum tempo quando todo mundo que tinha algo de importante a dizer sobre a questão decidiu acusar as agências de classificação de crédito de envolvimento em uma conspiração contra a Europa.

Isso aconteceu um dia depois que a Moody's rebaixou os títulos portugueses à categoria de junk bonds. A fúria da reação me informa que o processo está enfrentando problemas reais, mais uma vez.

O aspecto mais importante da classificação da Moody's não foi o rebaixamento, mas o seu arrazoado. A Moody's antecipa que Portugal, como a Grécia, necessite de novo empréstimo.

A agência também antecipa que as dificuldades políticas sejam igualmente graves. Os alemães não voltarão a exigir participação dos credores privados como precondição? Certamente sim. A Moody's concluiu, corretamente em minha opinião, que a confusão política da União Europeia constitui motivo para preocupação. Tendo observado a crise desde o começo, concordo. A crise é tanto um problema de coordenação política quanto um problema de dívida.

Pouco antes que a Moody's anunciasse seu rebaixamento, a Standard & Poor's (S&P) afirmou que a proposta francesa para uma rolagem da dívida equivaleria, caso implementada, a um calote seletivo.

Se adicionarmos as avaliações da Moody's e da S&P, podemos antever a dinâmica perturbadora que surgirá no futuro próximo. Digamos que os governos da zona do euro forcem a Grécia a decretar o calote sobre parte de sua dívida, e que as agências de classificação de crédito classifiquem os papéis da dívida grega levando em conta esse calote parcial.

Se você espera, como a Moody's, que Portugal termine na mesma situação que a Grécia -ou seja, necessitado de um segundo pacote de resgate-, tem de esperar que as mesmas normas quanto à participação do setor privado se apliquem a Portugal. Isso levaria os títulos de Portugal a, em algum momento, receberem a mesma classificação, associada ao calote parcial.

A Irlanda também necessitaria de um segundo pacote de resgate. Não me surpreende de modo algum que os mercados de títulos estejam reavaliando os papéis oficiais italianos e espanhóis. Nenhum dos dois países corre risco de calote, mas suas classificações serão rebaixadas ao nível de junk bonds caso haja um calote por parte dos países periféricos.

Todo mundo odeia as agências de classificação de crédito, e ninguém as odeia mais que os europeus. As agências sem dúvida foram um fator importante para a formação da bolha de crédito. Mas na semana passada nos fizeram um favor. Demonstraram que o populismo não vai funcionar.

O Banco Central Europeu (BCE) está absolutamente certo quanto a isso. Um calote grego daria início a um processo dinâmico que ameaçaria a estabilidade financeira da zona do euro, ou mesmo sua sobrevivência.

O impasse só nos deixa uma solução, em curto prazo -e também uma solução em longo prazo. E as duas são iguais, na verdade. Em curto prazo, a única maneira de envolver o setor privado em um esquema voluntário de alívio de dívida seria um programa de conversão de títulos organizado sob os auspícios do mecanismo europeu de estabilidade financeira.

No momento isso não é possível porque o mecanismo não tem autorização para adquirir títulos nos mercados secundários. Seria preciso que a Alemanha, especificamente, mudasse de posição quanto a isso. Mas os alemães estão entre aqueles que pressionam mais pela participação do setor privado. Não me surpreenderia que eles mudem de ideia uma vez mais -como vem acontecendo frequentemente ao longo dos 18 últimos meses.

Caso as regras de atuação do mecanismo de estabilidade sejam relaxadas, ele poderia adquirir títulos da dívida grega com desconto de 20% sobre o valor de face, pagando com títulos de classificação AAA de sua emissão. Os vendedores teriam de aceitar um prejuízo, mas pelo menos terminariam com papéis sólidos. Não haveria razão para que as agências de classificação de crédito agissem.

Em longo prazo, a única solução é um título unificado da zona do euro, que pode ser interpretado como uma extensão do programa de aquisição no mercado secundário pelo mecanismo de estabilidade. É por isso que as soluções de curto e longo prazo são iguais. É claro que o nome do papel não seria "título da zona do euro". Os alemães utilizaram um excelente eufemismo para designar os títulos que emitiram para bancar a unificação: Sondervermögen, ou "riqueza especial".

A União Europeia criará um nome igualmente enganoso; mas não devemos nos iludir: um dia existirá um título unificado da zona do euro.

Na semana passada, um grupo de ex-ministros das finanças europeus propôs no "Financial Times" o uso do Banco Europeu de Investimento para a emissão de títulos da zona do euro. É uma ideia interessante. Teria a grande vantagem de não requerer mudanças nos tratados da União Europeia, pelo menos por enquanto.

O aspecto técnico mais importante é que o título da zona do euro, ou qualquer que venha a ser seu nome, seria emitido em base "conjunta e múltipla". Isso significa que todos seriam responsáveis pelo montante total -da mesma forma que os titulares de uma conta bancária conjunta são co-responsáveis por qualquer uso do limite de cheque especial.

Não imagine essa ideia como algo utópico, ou que os eleitorados teriam de aprovar em referendo. Pelo contrário. O título unificado da zona do euro é a opção obrigatória nesta crise. E ele acontecerá, quando nada mais acontecer. Se os governos tiverem de escolher entre criar o título unificado ou transferir dinheiro entre países, escolherão o título. E a Alemanha não só aceitará a ideia como a proporá.

Temos de agradecer às agências de classificação de crédito por oferecer às autoridades econômicas da zona do euro uma visão mais clara quanto a que estratégias são viáveis e que estratégias não são. É hora de seriedade.

p.(tagline)TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI.

 

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