Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
14/07/2011 - 19h44

Precisamos aproveitar caso News Corp. para promover reforma da mídia

Publicidade

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Crianças intimidadas que se unem para atacar o fanfarrão que normalmente as agride no playground: é isso o que se tem visto no Reino Unido desde que explodiu o escândalo dos grampos telefônicos do "News of the World". Como alguém que há muito tempo acha intolerável a influência exercida por Rupert Murdoch sobre a vida pública britânica, estou satisfeitíssimo em assistir a essa inversão da sorte.

Mas não basta expressar raiva. O Reino Unido precisa aproveitar esta chance para reavaliar a estrutura e regulamentação de sua mídia.

As mídias são empresas. Mas não são empresas quaisquer. Elas não apenas refletem a opinião pública, mas também a moldam, razão pela qual possuem influência política imensa.

É por isso que ditadores procuram controlar as mídias e políticos democráticos tentam fazer uso delas. Alguém que controla uma parcela substancial da imprensa escrita e da televisão exerce influência enorme sobre a vida pública, sem precisar dar conta do que faz. Essa é (ou, pelo menos, era) a posição da News International, de Rupert Murdoch.

PROPRIEDADE

Algumas pessoas argumentariam que, mesmo assim, é melhor deixar a propriedade dos meios de comunicação por conta do mercado e deixar o conteúdo por conta dos direitos de liberdade de expressão, sujeito apenas às leis de difamação e de interferência na vida privada. Mas a propriedade tem importância, sim.

A mídia guarda uma relação íntima com o funcionamento do Estado democrático, ou, em palavras diferentes, com a capacidade das pessoas de exercerem um papel efetivo como cidadãs.

Somos ao mesmo tempo consumidores e cidadãos, indivíduos que levamos nossas vidas privadas e participantes na vida pública. Os liberais clássicos, que partem da premissa de que o papel do Estado deve ser muito estreitamente circunscrito, veem a mídia como nada mais que uma arena em que gladiadores comerciais se enfrentam.

Mas, nas palavras de Aristóteles, o homem é "um animal político". Precisamos tomar muitas decisões em conjunto. No Ocidente nós o fazemos por meio de um Estado regido por leis e que é responsável perante os governados. Logo, isso é o governo por meio da discussão permanente. A imprensa é o fórum da política democrática. Vem daí sua importância.

Mídias diversas requerem proprietários diversos. Mas as forças econômicas podem gerar um grau de concentração de propriedade que é incompatível com a diversidade desejável. Nesse caso, os políticos se prostrarão diante de proprietários que controlam a comunicação deles com o público.

Na pior das hipóteses, o proprietário pode distorcer essa comunicação necessária, com o intuito de transformar a vida pública. Eu argumentaria que o populismo de direita da rede Fox tem feito justamente isso nos Estados Unidos. Não queremos que o mesmo aconteça no Reino Unido.

No entanto, paradoxalmente, um proprietário poderoso, como Rupert Murdoch, também pode promover a diversidade. O "Times", um jornal decente, existe hoje graças às subvenções da News International. Essa necessidade de apoio reflete em parte as características econômicas do setor dos jornais, na medida em que a internet devasta os modelos econômicos baseados na publicação de anúncios.

Ao mesmo tempo em que enxergar a mídia como enxergamos o ramo do comércio alimentício constitui um erro grave, não é menos enganoso ignorar as características econômicas das empresas de mídia.

Também a mídia precisa ser financiada. Se o dinheiro não vem do mercado, ele precisa vir de outra fonte. Também isso gera perigos, dos quais não o menor é o perigo do domínio pelo Estado. Cada país precisa encontrar seu próprio equilíbrio, tendo consciência dos dilemas existentes, particularmente em nossa era de transformações tecnológicas profundas.

REVISÃO

O que se faz necessário agora é uma revisão ampla do papel e da regulamentação da mídia no Reino Unido. Ademais, quaisquer conclusões tiradas de tal revisão precisam incluir explicitamente um compromisso com a realização de mais revisões no futuro, para levar em conta as transformações em curso na tecnologia e no ambiente empresarial.

Essa revisão abrangente analisaria: as leis de privacidade e difamação; a regulamentação da imprensa; a concentração de propriedade nas mídias e sobre diversas mídias; o papel das emissoras de serviço público, e o financiamento público da mídia, de modo mais geral, e, mais especificamente, dos jornais e emissoras com programas de jornalismo.

Minhas opiniões preliminares são que: a privacidade dos que não têm poder requer mais proteção, e os erros cometidos pelos poderosos requerem muito menos proteção; a retificação e as punições por cobertura mal-intencionada precisam ser mais rígidas, ao mesmo tempo preservando a liberdade de expressão; as normas relativas à propriedade de diversos tipos de mídia precisam ser mais muito mais rígidas, com a posição aventada da News International tanto em jornais quanto na televisão sendo excluída, a priori; o país deve continuar a apoiar a BBC através de financiamento estável, porque ela define a noção de um Estado saudável; e devemos analisar se o bem público que representa a coleta e análise de notícias realizada com alta qualidade merece o apoio público.

Estamos vivendo tempos notáveis. Mas o que temos visto é também, até agora e em grande medida, uma explosão de raiva por parte daqueles que a imprensa de Murdoch humilhou. O inquérito em duas partes proposto pelo primeiro-ministro para investigar o escândalo dos grampos e questões relacionadas cobre boa parte do que é preciso ser coberto, embora não tudo.

Não basta acertar as contas com o agressor no playground, apesar de sua conduta ter sido tão altamente ofensiva. É essencial traçar uma estrutura de regulamentação que preserve a liberdade da mídia e, ao mesmo tempo, limite os abusos, entre os quais as concentrações de poder sem prestação de contas.

Mas a mídia também é importante demais para ficar a cargo de proprietários hegemônicos. O Reino Unido tem agora uma oportunidade de ouro para encontrar um novo ponto de equilíbrio. Se o fizer, este escândalo ainda poderá render frutos altamente positivos.

TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página