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Guru da moratória da Argentina pede limite ao sistema financeiro
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LUCAS FERRAZ
DE BUENOS AIRES
Ex-ministro da Economia responsável por administrar a moratória da Argentina em 2001, Roberto Lavagna, 69, lamenta que o sistema financeiro internacional continue desregulado e servindo de combustível a crises como a da zona do euro.
"O setor financeiro está totalmente fora de controle e se converteu em um ator político tão forte que, em vez de corrigir os problemas, impede a aplicação de medidas corretivas", afirma.
Lavagna tornou-se uma espécie de "guru do calote" e é convidado cada vez mais para conferências na Europa.
Em maio do ano passado, em artigo publicado no jornal francês "Les Echos", o economista previu o descaminho grego relacionando-o com a crise argentina.
"Mas, ao contrário da Argentina, isolada num Mercosul sem força para atuar nessas situações, Grécia integra um dos blocos mais poderosos do mundo e tem outra capacidade de reagir", afirma.
Ele acaba de lançar o livro "Trece Meses Cruciales en la História Argentina", em que narra seu trabalho no Ministério da Economia durante a grave crise econômica.
A seguir, trechos de sua entrevista à Folha.
*
Folha - A Europa não olhou para o exemplo argentino ou as crises são incomparáveis?
Roberto Lavagna - Algumas coisas, especificamente na Grécia, são muito parecidas com a Argentina. Os deficits fiscal e em conta corrente, a moeda que não contempla a produtividade média, a recessão, além de uma dívida alta em relação ao PIB.
Distinto é o plano institucional. A Argentina era um país isolado, dentro de um Mercosul sem capacidade de atuar em situações desse tipo. A Grécia integra um dos conjuntos econômicos e políticos mais estruturados no mundo. Essa é uma grande diferença. A outra é que a divida grega, que chega a 90% do PIB, está emitida em moeda nacional, em euro.
E qual é a vantagem disso?
Aplica-se a legislação nacional. A Argentina tinha uma dívida emitida em oito legislações e em oito moedas diferentes. O processo foi infinitamente mais complexo. A situação social da Grécia também é muito melhor.
O calote grego é inevitável?
O [segundo] pacote tem reestruturado a dívida. Ainda há dúvidas, mas o enfoque agora é distinto, não simplesmente de que a Grécia é a culpada e tem que se ajustar. Agora o enfoque é sistêmico.
A Grécia foi o bode expiatório?
Sim. A Argentina sabe disso muito bem -o país era culpado enquanto as responsabilidades também eram do sistema financeiro, do FMI e de outros. É muito similar.
E em relação à dívida dos EUA, há algum ponto em comum?
Nesse caso o problema é basicamente de ordem política, mas há coisas para corrigir. Os EUA precisam controlar sua dívida. Um ponto comum entre Europa e EUA é que nenhum deles foi capaz de impor limites ao funcionamento do sistema financeiro.
Impor limites ao setor financeiro resolveria a crise?
Não, mas ajuda para que ela não se repita. Sem resolver isso veremos novos problemas em outros países. Nos últimos 15 anos tivemos crise no México (1995), Rússia (1998), Brasil e sudeste asiático (1999), Argentina (2001).
A causa é um sistema financeiro que se converteu em um ator político tão forte que, em vez de corrigir os problemas, impede a aplicação de medidas corretivas.
A América Latina vê na Europa um cenário conhecido. Como a região pode tirar proveito disso?
As mudanças estruturais começam com a presença de China e Índia comprando produtos de países como Brasil, Argentina e Uruguai.
Há uma oportunidade excepcional se isso for aproveitado, mas também pode servir para financiar políticas equivocadas, como acontece na Argentina.
Os países latino-americanos ainda não resolveram algumas coisas, como a valorização da moeda nacional.
Isso existe no Brasil por causa da política monetária e na Argentina pelo descontrole do programa econômico.
Os países precisam perder a vergonha e tomar medidas efetivas nessa área.
A Argentina pode ser apresentada como exemplo de país que deu o calote e se recuperou com êxito?
Não gosto de países- exemplos, passam uma falsa ideia. O FMI durante muito tempo cometeu besteiras ao dizer que a Nova Zelândia era um exemplo para o mundo, mas o Brasil, por exemplo, não tem como copiar uma ilha.
O programa que o FMI apresentou à Grécia é similar ao apresentado à Argentina em 1999 e em 2001. O Fundo não mudou, mas perdeu relevância. Antes, os países mais endividados eram Brasil, Turquia e Argentina, nessa ordem. Agora são Grécia, Irlanda e Portugal.
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