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12/09/2011 - 10h02

'Meus netos querem saber por que os pais morreram', conta iraquiano

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IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ

Dono de um café tradicional em Bagdá, Hadji Muhammad al Khashali, 76, perdeu cinco filhos em um atentado na capital do Iraque depois da invasão do país pelos Estados Unidos.

Leia depoimento dado à Folha:

No dia 5 de março de 2007, eu tinha vindo para o café Shabandar cedo para checar as contas. Um dos meus filhos, Mohammed, estava comigo ajudando. Os outros quatro, Bilal, Kadom, Ganem e Kuttaida, estavam na minha loja de impressão que ficava ao lado do café.

Por volta das 11h, ouvi o barulho de uma camionete Kia com capacidade para duas toneladas de carga parando bem ao lado do café.

Um sujeito saiu dela e foi para longe. Foi quando ouvi um barulho impressionante e tudo ficou escuro.
Quando saí debaixo dos escombros, vi que Mohammed estava do lado da janela que ficara em pé. Quando cheguei, vi que ele não tinha as pernas e me desesperei.

Foi quando fui para a rua e vi que minha loja estava em ruínas. Meus outros quatro filhos tinham morrido na hora. Minha mulher morreu dois meses depois.

Três meses depois, nasceu o filho de Mohammed, meu 11º neto. A imprensa falou que morreram 30 pessoas, mas o pessoal da rua contou quase 70. Vinte pessoas foram vaporizadas pela explosão, para você ter uma ideia.

É claro que o idiota que fez isso estava no meio de uma guerra sectária sem sentido algum. Era um terrorista sunita. Mas estamos sob uma ocupação, então a culpa maior é dos ocupantes. É dos norte-americanos.

A marca do povo iraquiano é o perdão. Não pretendo vingança. Mas não consigo explicar para meus netos o que aconteceu, e acho que um dia eles vão querer perguntar para George W. Bush por que seus pais morreram.

Tudo isso é uma injustiça. Deus não quis que eu morresse, mas sou velho. Como um velho cuida de uma família enorme? Não consigo dormir, penso nisso o tempo todo.

Vivi num mundo em que nada disso acontecia. Sou dono desse lugar há 53 anos, comecei a trabalhar aqui no ano em que o Iraque que eu conhecia acabou.

Antes, xiita e sunita davam a mão. Vinham tomar café e chá aqui, fumar shisha (narguilé, ou cachimbo de água) juntos, para discutir política, economia, cultura. Aí veio Saddam, e depois essa confusão dos americanos. É triste.

O café foi reconstruído, e está até mais bonito que antes. Mas veja ali na parede. São as fotos dos meus cinco filhos. Isso não tem como ser reconstruído.

 

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