"Quase todas as ruas aqui têm uma casa feita por mim", conta Ugo di Pace, olhando para a janela com vista para a alameda Gabriel Monteiro da Silva e se referindo aos bairros que fazem fronteira com a via —os Jardins Europa, América e Paulistano, todos na zona oeste paulistana.
Aos 90 anos, Ugo voltou à "Gabriel", como a alameda é chamada por seus frequentadores, depois de um hiato de dez anos. Hoje, ele passa parte do dia no Studio 689, misto de galeria e antiquário em que exibe sua coleção de objetos antigos e obras de arte. O local, antes alugado para uma loja de móveis, é o mesmo onde Ugo manteve escritório por duas décadas. "A minha volta para a Gabriel foi só o desejo de dividir com os outros aquilo que a vida inteira foi importante para mim —as obras de arte."
Ugo exibe no espaço —segundo ele, sem a intenção de venda— fragmentos de arquitetura renascentista, como capitéis e cariátides, uma sela de elefante do século 18, uma escultura de Victor Brecheret (1894-1955) e uma poltrona Cake (2008), dos irmãos Campana, entre outras peças históricas. Lá, recebe conhecidos e quem mais quiser entrar.
"A maior parte dos meus amigos pouco sabe a respeito de arte. Eu, sempre com muita paciência, vou explicando", conta ele. "Outro dia uma moça entrou aqui muito bem vestida, uma bolsa Hermès caríssima, e eu mostrei para ela o Brecheret. Ela perguntou quem era, e eu expliquei. Você vê a desinformação... É uma pena."
Foi ali na Gabriel, no fim dos anos 1960, que Ugo abriu seu primeiro escritório de arquitetura e interiores, uma época em que a rua, residencial, ainda não era conhecida pelas lojas de decoração. "Quando eu cheguei, só tinha casinha aqui", lembra.
Nascido em uma família de engenheiros e construtores, Ugo veio da elite de Nápoles direto para a elite paulistana. A primeira viagem ao Brasil foi em 1948, a convite de Rudi Crespi (1924-1985), filho do industrial que ajudou a fundar o colégio Dante Alighieri. Outro amigo foi Pietro Maria Bardi (1900-1999), um dos criadores do Masp, seu sócio em uma galeria de arte em Roma, nos anos 1960.
A carreira no Brasil evoluiu bem. Nos anos 1970, Ugo afirma que seu escritório chegou a tocar 120 obras ao mesmo tempo, algumas no exterior. "Era uma loucura. Tive mais de 200 funcionários para desenhar e construir."
A fama cresceu e atraiu para a Gabriel outros profissionais e as lojas. "Naquela época eu tinha placas do meu escritório espalhadas pelo Jardins inteiro, nas obras em andamento, com o endereço da Gabriel. E aí todo mundo começou a vir atrás de mim", conta.
Ugo não gosta de nomear os clientes famosos do Brasil, mas deixa escapar que já trabalhou para o diretor americano Steven Spielberg, que conheceu por meio de um vizinho em Nova York. Em São Paulo, junto com o filho Gugu di Pace, esteve entre os criadores do The Gallery, em 1979, lendário clube noturno para sócios na rua Haddock Lobo.
Duas marcas de seu trabalho como decorador são a preferência por espaços integrados, sem muitas paredes entre os ambientes, e principalmente o uso de fragmentos de arquitetura, como pedaços de colunas antigas.
"O Ugo criou o primeiro minimalismo cult da história da decoração ao fazer aqui e fora do Brasil seus interiores com elementos construtivos e neles inserir móveis e objetos de muita relevância estética e histórica", descreve Sergio Zobaran, curador de design e decoração, sócio da filha de Ugo, Maria di Pace.
"Há uma diferença fundamental entre mobiliar e decorar. A maior parte das casas é mobiliada e não decorada. Para o decorador, o importante é o móvel, o sofá e o babado da cortina. Para mim, não. O mais importante é a arquitetura de interiores, com a obra de arte como protagonista de todos os espaços", diz Ugo.
Atualmente vivendo em um apartamento de 200 m² no Morumbi —"o menor em que já morei"—, Ugo se dedica integralmente ao Studio 689, rearranjando de tempos em tempos a sua coleção de cerca de 2.000 peças. "Está na hora de me divertir um pouco."