Ternura de servir a quem se ama; leia artigo de Nina Horta

É bom cozinhar em casa? São tantas respostas que não é possível escolher. É bom quando alguém tem prazer nisso, pai ou mãe, que gosta de se colocar a serviço dos outros.

Estar lá no fogão enquanto os outros jantam sem prestar muita atenção, só aproveitando a segurança que o redor da mesa dá. A comida costumeira, deliciosa justamente por não oferecer novidades a se pensar.

Nos tempos de crise o assunto vem à baila. É preciso assimilar uma certa moda, comer fora ficou caro, comer em casa imediatamente se torna chique e trendy.

Vapor 324
Ilustração para a coluna de Nina Horta no especial Cozinha

Podemos olhar só o que está à nossa frente, como é costume das famílias, mas atrás daquela mesa posta há sempre um alguém belo e caseiro e recatado que foi à feira, tem um coração generoso, um narcisismo saudável de se ver amado por todos.

Cozinhar é uma linguagem oculta feita de pequenos sacrifícios, de compras à noite no supermercado, de lavagem de verduras, de empacotamentos, de frigideiras com queimados no fundo, de facas com pontinhas quebradas, pois alguém abriu latas com ela.

O cozinheiro caseiro gosta de servir a família sentada à sua frente, mãos lavadas, esperando. E a coisa se complica quando pensa que ama servir à família, mas o que quer de verdade é o amor deles.

O que é preciso para que a comida da casa seja solta e leve? Bastante coisa. Experimentar bastante, ter familiaridade com a técnica, orgulho disfarçado de ter quem coma sua comida com prazer. Mesa posta, família reunida e uma escachapante rotina que ao se repetir infinitas vezes se transforma em ternura.

É clichê? Mas, o que não é? Vamos combinar que jamais temos saudade das comidas, só pensamos que temos. Quando as reencontramos, mais tarde, estranhamos.

Ah, acho que era a manteiga, trocaram por margarina, não, deve ser a farinha de milho. Tinha um gostinho diferente. As crianças, naquele momento da vida ainda se apegam à segurança de estarem ali, sendo amadas e nutridas, mas já tentam entender mundos diferentes. Preparam as asas para o vôo solo fora da cozinha que delimita um espaço de felicidade tão opressor quanto o de uma gaiola de prata. Às vezes de ouro.

Quando Ferran Adrià aceitou o convite para expor sua arte na Bienal de Veneza, frequentadores da exposição eram sorteados e levados de avião para o El Bulli, onde passavam por uma notável experiência da melhor comida do mundo, feita em casa, pois não era o próprio Ferran em seu restaurante? Foi para que se sentissem em casa que ele se negou a levar a comida até Veneza. Cada convidado, depois de exposto àquela cozinha, havia que escrever alguma coisa.

Gostei de um guri que, na sua letrinha ainda não formada, escreveu qualquer coisa assim. "Adorei, nunca vi comida melhor, só que quando acabei fui para o terraço e vomitei." Bom, ele próprio nos respondeu. Comida feita em casa é aquela que se mantém no estômago, afagando-o, sem frescuras.

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