Editorial: A prisão do ex-médico
Foragido desde janeiro de 2011, o ex-médico Roger Abdelmassih, condenado em primeira instância a 278 anos de prisão pelo estupro de 37 mulheres, foi capturado em Assunção, no Paraguai, e trazido ao Brasil, onde agora está preso.
Profissional conceituado, Abdelmassih mantinha uma clínica de fertilidade frequentada por ricos e famosos. Teve a carreira interrompida pela revelação de que a polícia o investigava por crimes sexuais contra suas pacientes.
Após a reportagem desta Folha, em janeiro de 2009, outras mulheres reforçaram as acusações. Suspeita-se que Abdelmassih tenha feito mais que as 37 vítimas que deram base à decisão judicial.
Uma vez sentenciado, contudo, não parou atrás das grades. Aproveitou a liberdade provisória concedida pelo Supremo Tribunal Federal e fugiu do país, tornando-se símbolo da impunidade.
É uma boa notícia, assim, que tenha sido localizado. Nada desmoraliza mais o Poder Judiciário do que a impressão, não de todo equivocada, de que pessoas ricas não vão para a cadeia no Brasil.
Nem por isso deve-se provocar a distorção oposta. Convém lembrar que, embora condenado a quase três séculos de prisão, Abdelmassih não tem contra si uma sentença definitiva, e seus advogados insistem em proclamá-lo inocente.
Seja qual for o seu desfecho, esse caso terá deixado em primeiro plano discussões sobre a assimetria de acesso à Justiça no país. Sistemas penais, em particular, buscam promover a paz social. Ao prender um criminoso, o Estado tem pelo menos três objetivos em vista.
O mais óbvio é tirar o delinquente de circulação por algum tempo, evitando que repita o ilícito e, de preferência, desestimulando a reincidência depois de solto.
Em teoria, a prisão também exerce efeito dissuasório. O exemplo do criminoso que se dá mal desencoraja outras pessoas de imitá-lo.
Por fim, o encarceramento serve como satisfação às vítimas, que de outro modo talvez recorressem a vinganças pessoais. Não por acaso algumas mulheres fizeram questão de ver Roger Abdelmassih preso.
As três metas dependem da percepção do Estado como agente punidor justo e equânime, embora falível. Se as pessoas enxergam vieses no Judiciário, sua confiança no sistema decai e ele se torna menos eficaz. Daí a importância de uma Justiça republicana. A condição econômica ou social do réu há de ser absolutamente irrelevante.
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