Rui Amaral: Por uma política pública para o grafite
Era o auge da Vila Madalena, nos inesquecíveis anos 80, auge também do cartunista Glauco, de Jorge Mautner, do "verão da lata", das Diretas-Já. Foram tempos maravilhosos, que saudade! Nessa mesma época, spray ou rolo de tinta em mãos, começamos a pintar toda a Vila Madalena –do beco do Batman ao largo da Batata–, o "buraco da [avenida] Paulista" e o Minhocão.
Acabávamos sempre presos, pois o grafite como conceito só existe na forma da ilegalidade –está no seu DNA. Se é autorizado, é arte de rua, arte urbana, mural ou painel. O grafite é representado pela máxima do grande artista Hélio Oiticica: "Seja marginal, seja herói".
Mas se pode dizer também que grafite está relacionado à educação e aos projetos sociais. A ação é que determina a palavra, por isso pichação e grafite têm o mesmo significado cultural, atrelado a vários conceitos, como ativismo, vandalismo, protesto, arte ou apenas diversão.
Há quase 30 anos converso com a Prefeitura de São Paulo, construindo políticas públicas para o grafite, desde o primeiro prefeito eleito democraticamente depois da ditadura militar: Jânio Quadros.
Quando a prefeita Luiza Erundina o sucedeu, começamos um ótimo diálogo com a então secretária de Cultura, Marilena Chauí.
Em 1991, tive autorização da prefeitura para pintar um mural que tenho até hoje no "buraco da Paulista" e pintamos também todas as pilastras do Minhocão, um verdadeiro museu a céu aberto.
Em 1993, São Paulo elegeu Paulo Maluf. Apagaram tudo, pintaram tudo de cinza, como já disse o poeta. Uma tristeza só. Nessa nova onda cinzenta, meu trabalho no "buraco da Paulista" foi apagado, mas acabei tendo autorização do Departamento do Patrimônio Histórico para restaurá-lo. Assim o fiz, mas o diálogo parava ali.
Não contentes, os paulistanos elegeram Celso Pitta em 1996. Foi quase uma década perdida.
A situação se desanuviou totalmente quando elegemos Marta Suplicy, em 2000. Realizamos um dos melhores projetos de políticas públicas para o grafite com eventos nos quatro cantos da cidade e produção de murais com grafiteiros.
Durante a gestão de José Serra (2005-2006), a prefeitura estava muito preocupada com os pichadores. Tivemos várias reuniões com representantes da Secretaria de Segurança Pública para que pegassem leve com os pichadores e criamos o Fórum de Arte de Rua.
Na gestão seguinte, a de Gilberto Kassab (2006-2012), começamos a discutir a criação de uma Mostra Internacional de Arte de Rua, com várias ações nas regiões centrais e periféricas da cidade com arte, educação, palestras, filmes e debates.
Na administração de Fernando Haddad começamos a discutir com o secretário de Cultura, Juca Ferreira, a possibilidade de formalizar uma política pública para o grafite. Nesse meio tempo, por iniciativa do próprio prefeito, fui convidado com outros 13 artistas a formar uma curadoria para pintarmos todos os muros da avenida 23 de Maio.
Precisamos agora criar uma comissão para tratarmos desse assunto junto ao poder público. A descriminalização do grafite é uma das nossas principais demandas, e a tendência é que nossa situação melhore, pois o debate está aberto e temos uma avenida inteira pela frente.
RUI AMARAL, 53, artista plástico, é um dos curadores do projeto da Prefeitura de São Paulo para a pintura de murais na avenida 23 de Maio
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