Editorial: Famélicos da terra
Provoca sentimentos ambivalentes a divulgação do número de brasileiros que enfrentam dificuldades para obter, no dia a dia, quantidades suficientes de comida.
Segundo pesquisa do IBGE divulgada na semana passada, esse contingente diminuiu de forma notável na última década. Em 2004, 19,5% da população padecia de insegurança alimentar moderada ou grave. Cinco anos depois, a fatia caiu para 13,2%.
Apesar do avanço contínuo, os dados relativos a 2013 mostram que, no ano passado, 8,7% dos brasileiros, ou cerca de 17,5 milhões de pessoas, ainda estavam nesse nível de existência primitiva, convivendo com restrição quantitativa ou mesmo privação de alimentos.
No Maranhão, a estatística chega a revoltantes 23,7%; no Piauí, a 19%; no Pará, a 17,5%.
É ocioso dizer que não há escassez de gêneros alimentícios no Brasil, mesmo se levado em conta o desperdício em todas as etapas da produção. Falta, porém, acertar o alvo da política socioeconômica.
O esmiuçamento das estatísticas da fome, como seria de esperar, aponta um padrão similar ao da pobreza e da desigualdade brasileiras. A insegurança alimentar é mais prevalente no Norte e no Nordeste e nas famílias chefiadas por mulheres, pardos e pretos.
Crianças e adolescentes são afetadas em proporção maior do que a média da população. As pessoas que se correm risco desse tipo de privação em geral vivem em condições de infraestrutura social e econômica piores que as dos demais, mas mais de 54% delas trabalham.
Os traços desse quadro desenham um cenário muito conhecido de brasileiros sem acesso ao mercado nacional, por falta de infraestrutura física ou instrução, condenados ao subemprego ou a trabalhos de baixa produtividade e baixíssima remuneração.
Não raro, é difícil reformar tal situação no curto prazo, com o que se tornam incontornáveis programas de assistência de renda.
No entanto, num país em que governos concedem enormes subsídios a oligopólios ou a empresas de envergadura mundial, que se endivida a taxas aberrantes ou que desperdiça recursos em gastos sociais por falta de avaliação, fica evidente a distorção de prioridades.
Um programa de investimento em melhorias de condições de vida, de instituição de direitos e oportunidades de progresso individual, de infraestrutura e educação, não só tenderia a dar fim a sofrimentos primitivos –como a privação de comida– mas também tornaria produtivos milhões de brasileiros ainda relegados a empregos servis e ineficazes.
O crescimento econômico então seria maior e mais justo.
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