Editorial: A dengue no quintal
A dengue é uma moléstia viral de causar calafrios em epidemiologistas: não existe vacina nem terapia específica contra ela; tratam-se apenas seus sintomas, como febre alta e dores no corpo; a prevenção exige que a população colabore de maneira disciplinada no combate ao mosquito transmissor, Aedes aegypti.
As larvas do inseto proliferam em água limpa e parada, como a que se acumula em pneus e vasilhames após a chuva. À primeira vista poderia parecer que, numa estiagem como a atual, a transmissão da doença seria menor. Nada disso.
O país vive novo surto da enfermidade. Até 14 de fevereiro, houve 103.616 casos registrados, acréscimo de 123% sobre o mesmo intervalo de 2014. Mais da metade das ocorrências (62.689) se deu no Sudeste, região castigada pela seca.
No Estado de São Paulo, a progressão foi mais alarmante: eram 5.185 casos nas seis primeiras semanas de 2014, são 51.849 neste ano. Um avanço de 900%.
Com isso, a incidência da doença em território paulista (117,7 casos por 100 mil habitantes) tornou-se a terceira maior do Brasil (atrás de Acre e Goiás). Há casos extremos no Estado, como a pequena Trabiju (1.650 moradores), onde 1 em cada 15 moradores foi contaminado.
O país convive com a dengue há décadas. Sucessivas campanhas decerto já fixaram na população as noções básicas para evitar a proliferação de larvas do Aedes aegypti: manter lixeiras fechadas, não acumular lixo ao relento, encher com areia pratos debaixo de vasos de plantas, limpar calhas e tampar caixas d'água e tonéis.
Com o passar do tempo, contudo, essas providências tendem a ser relaxadas. Aí reside o perigo. De 1990 a 2009, o número anual de casos oscilava ao redor de poucas centenas de milhares (com exceção de 2002 e 2008, quando ultrapassou 600 mil), mas, a partir de 2010, galgou novo patamar, entre 600 mil e 1,5 milhão.
O surto das primeiras semanas de 2015 não se revelou especialmente letal. Ocorreram até meados de fevereiro 28 mortes, contra 56 no mesmo período de 2014, com menos da metade dos casos. Dado o comportamento errático da doença, porém, nada impede que os episódios fatais se multipliquem.
Desde 1990, pelo menos 3.929 pessoas morreram com a dengue no país, 2.139 das quais (54%) de 2010 a 2013. É fundamental intensificar as campanhas de esclarecimento da população e treinar mais equipes para realizar visitas de porta em porta.
Mas as medidas só terão efeito se cada um cuidar do próprio quintal.
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