MARIA ALICE SETUBAL
Jovens dão aula de cidadania
A ocupação de quase 200 escolas da rede estadual de ensino de São Paulo requer uma reflexão mais profunda. Os estudantes estão mobilizados há mais de dois meses e torna-se impossível não associar essas ações às manifestações de junho de 2013, quando os jovens tomaram as ruas clamando por uma educação de qualidade.
Até hoje, governos nas esferas federal, estadual e municipal não souberam dar uma resposta consistente a esse clamor por mais democracia e serviços de melhor qualidade.
Enquanto muitos lamentam e outros buscam soluções para a baixa audiência do ensino médio –resultado das altas taxas de distorção idade-série, da evasão e do abandono que assolam principalmente adolescentes e jovens–, assistimos agora, no Estado de São Paulo, estudantes, pais e professores questionarem a proposta de reorganização das escolas.
A falta de diálogo com a comunidade escolar, assim como a falta de transparência dos critérios que embasam e justificam a proposta do governo, corroboram para que muitas questões ainda estejam em aberto: Quais são os resultados esperados dessa política? Como funcionará essa nova escola? Qual é o projeto para cada ciclo?
A escola tem um impacto grande na logística e no cotidiano de uma parcela importante da sociedade. O fechamento ou a transferência de uma instituição para outra acarreta quebra de vínculos e enorme insegurança para jovens, professores, pais e para a própria escola, que tem uma história e uma cultura próprias.
Apesar das precárias condições de funcionamento das escolas e da baixa qualidade do ensino, resultado de inúmeros fatores, a maioria dos alunos termina o ensino médio.
Eles sabem que concluir a educação básica é pressuposto para concorrer às melhores vagas no trabalho ou para ingressar no ensino técnico e na universidade.
A escola é fundamental para a ampliação das oportunidades da imensa maioria de brasileiros. Um espaço de acesso ao conhecimento, de emancipação cidadã, de convivência, da formação de valores do bem comum e do espaço público.
Também é ponto de encontro entre jovens que muitas vezes não têm outros espaços de lazer, dada a precariedade e vulnerabilidade de muitos dos territórios das periferias. Contrariando o senso comum, os jovens não estão apáticos e alheios ao que passa a sua volta.
É preciso escutá-los. As ocupações, assim como as manifestações de junho, são emblemáticas para essa discussão, pois apresentaram diversos elementos que se configuraram em ação direta, como o uso das tecnologias e a ocupação dos espaços públicos.
São exemplos de participação e de cidadania que podem e devem ser ampliados, inclusive na discussão da Base Nacional Comum Curricular.
Os estudantes lutam por suas escolas e reivindicam tempo para debater a proposta da Secretaria da Educação estadual.
Querem ter autoria nesse processo e não se deixam liderar por organizações e movimentos que lhes prestaram apoio.
Tal protagonismo, que contou com o apoio da sociedade civil, culminou com o anúncio, por parte do governo do Estado, do adiamento da reorganização, com a intenção de que ela seja discutida em cada uma das escolas em 2016. A decisão provocou o pedido de demissão do secretário de Educação de São Paulo, Herman Voorwald.
Com isso observamos a participação social da juventude frente aos desafios da contemporaneidade, cuja essência é a afirmação do sujeito que deseja escrever sua própria história.
MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária - Cenpec e da Fundação Tide Setubal. Foi assessora de Marina Silva, candidata à Presidência em 2014
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